O cálculo da garantia adicional do contrato administrativo na visão do TCU

por Fernanda Leoni

No último dia 03/02/2021, o Tribunal de Contas da União, em sessão pública do Plenário, fixou entendimento acerca do cálculo adequado para a exigência de garantia adicional quando da celebração de contratos administrativos que derivem de propostas com valores presumidos inexequíveis, conforme definido no Acórdão nº 169/2021.

O entendimento foi manifestado em resposta à consulta formulada pelo Tribunal Federal Regional da 1ª Região acerca da melhor exegese da redação do artigo 48 da Lei Federal nº 8.666/1993 que, ao tratar do tema, trazia uma série de dúvidas em sua aplicação, muitas vezes objeto de crítica pela doutrina e jurisprudência.

Segundo o referido dispositivo legal, as propostas que se apresentassem superiores ao orçamento da licitação ou que fossem consideradas manifestamente inexequíveis seriam desclassificadas do certame, salvo se comprovada a sua viabilidade por meio da demonstração da coerência dos custos de seus insumos com os preços de mercado e da compatibilidade dos seus coeficientes de produtividade com a execução do objeto do contrato.

Para a identificação (ou presunção) da inexequibilidade, o §1º do mesmo dispositivo estabelece um parâmetro objetivo, de modo que serão consideradas inexequíveis as propostas que se mostrarem inferiores a 70% do menor entre os seguintes valores: (i) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% do valor orçado pela administração; ou, (ii) valor orçado pela Administração contratante.

Veja-se que a inexequibilidade da proposta, extraída dos cálculos acima mencionados, consiste em presunção de natureza relativa, como se extrai do próprio artigo 48, inciso II, da norma, que autoriza o licitante a comprovar a adequação de seus preços. Tal conclusão, inclusive, é reforçada pelo teor da Súmula 262, do TCU, quando estabelece que “o critério definido no artigo 48, II, §1º, ‘a’ e ‘b’ da Lei 8.666/1993 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade de sua proposta”.

Mas há uma segunda hipótese de presunção de inexequibilidade estabelecida pela norma, que autoriza a contratação da licitante, ainda que sem prova da adequação de seus preços, mas desde que reforçada a garantia contratual, que há anos tem a sua aplicação questionada em razão da dificuldade de compreensão da redação do dispositivo legal, que assim estabelece:

Art. 48. Serão desclassificadas:
(…)
§ 1º. Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo consideram-se manifestamente inexequíveis, no caso de licitações de menor preço para obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferiores a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores:

a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cinquenta por cento) do valor orçado pela administração, ou,

b) valor orçado pela administração.

§ 2º Dos licitantes classificados na forma do parágrafo anterior cujo valor global da proposta for inferior a 80% (oitenta por cento) do menor valor a que se referem as alíneas “a” e “b”, será exigida, para a assinatura do contrato, prestação de garantia adicional, dentre as modalidades previstas no § 1º do art. 56, igual a diferença entre o valor resultante do parágrafo anterior e o valor da correspondente proposta.

Como bem ressaltou a equipe técnica da SeinfraRodoviaAviação no relatório que compõe o Acórdão nº 169/2021, a leitura do §2º, do artigo 48 autoriza, pelo menos, três diferentes interpretações sobre o que formaria o “valor resultante do parágrafo anterior”, a saber: (i) 70% do menor dos valores das alíneas “a” e “b” do §1º do artigo 48; (ii) o menor dos valores das alíneas “a” e “b” do §1º do artigo 48; ou, ainda, (iii) 80% do menor dos valores das alíneas “a” e “b” do §1º do artigo 48.

Quanto à primeira interpretação, o TCU, calcado no entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, vinha afastando essa compreensão por considerá-la desproporcional. Nesse sentido, o Acórdão nº 2.503/2018-Plenário, precedente relevante sobre o tema, se valia da lição da autora ao ponderar que “a interpretação literal do dispositivo, que levaria a calcular o montante da garantia pela diferença entre 70% do menor valor referido nas alíneas ‘a’ e ‘b’ do §1º e o valor da correspondente proposta, tem de ser afastada, porque levaria ao absurdo”.

Já a última interpretação era usada no âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, autor da consulta, com base na disciplina de Marçal Justen Filho, para quem “o único modo de tornar efetiva a garantia legal é supor que a garantia tem de abranger a diferença entre o valor da proposta e 80% do menor valor apurado segundo o §1º”.

Comparando as duas interpretações comumente adotadas e aplicando-as a exemplos práticos, a equipe técnica da Corte de Contas verificou que a adoção do primeiro critério acabaria por determinar a apresentação de garantia adicional que poderia variar entre 29% e 43% do valor do contrato, percentual bastante diverso daquele estabelecido no artigo 56, da Lei Geral de Licitações (que alcança o limite máximo de 10% do valor do contrato, ainda assim, aplicável somente a contratações de maior vulto e complexidade técnica).

Diante disso, a equipe técnica ponderou que a conclusão que mais condizia com a interpretação lógica e sistemática do §2º do artigo 48 da Lei de Licitações era aquela que estabelecia como cálculo para a garantia adicional a seguinte fórmula “Garantia Adicional = (80% do menor dos valores das alíneas “a” e “b” do §1º do artigo 48) – (valor da correspondente proposta)”.

A instrução da equipe técnica, ratificada pelo Ministério Público de Contas, foi acatada pelo Plenário do Tribunal, tendo recebido apenas o voto divergente do ministro Weder de Oliveira, que entendeu pela impossibilidade de conhecimento da consulta dada a possível ilegitimidade da autoridade consulente.

Vale esclarecer, por fim, que em conformidade com o artigo 264, §3º, do Regimento Interno do TCU, a resposta à consulta “tem caráter normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto”, de forma que o entendimento fixado, a partir da publicação do acórdão, deve ser observado por todos os entes que realizem contratações com recursos de natureza federal.

NOTAS:

[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Qual a forma de calcular a garantia adicional prevista no art. 48, § 2º, da Lei nº 8.666/93? Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 263, p. 10-16, jan. 2016.

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16ª Ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2014. p. 878.

Artigo originalmente publicado no Estadão, no blog Gestão Política e Sociedade, em 12.02.2021.

Julgamento de irregularidade por acessoriedade pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo

por Fernanda Leoni

O texto tem como base o julgamento de irregularidade por acessoriedade pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

 

Considerações iniciais

Desde 2008[1], o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo vem consolidando em sua jurisprudência a aplicação de técnica decisória que denomina de julgamento por acessoriedade, a permitir a análise conjunta da licitação, contrato administrativo decorrente e eventuais termos aditivos.

Segundo a lógica empregada pelo Tribunal, acaso identificada qualquer irregularidade no procedimento de licitação, o contrato daí advindo será igualmente considerado irregular, sem que se faça qualquer avaliação precisa sobre o instrumento contratual. O mesmo se diga com relação aos aditivos contratuais quando comparados ao contrato, sendo certo que eventual achado de auditoria que acometa a regularidade do instrumento contratual automaticamente alcançará os respectivos aditamentos.

Essa orientação, também denominada como princípio da acessoriedade, ao que se identifica da jurisprudência do TCE/SP, foi construída a partir da noção presente no Código Civil de que os bens, quando reciprocamente considerados, são classificados em principais e acessórios, estando estes últimos vinculados ao principal e, por conseguinte, aptos a seguirem o mesmo destino que for aplicado ao primeiro[2].

Nesse sentido, ao avaliar a regularidade de termo de re-ratificação contratual, ponderou o Tribunal que tal ato, por configurar-se como extensão do negócio principal, estaria contaminado por eventuais vícios do instrumento originário, tendo o Conselheiro Relator ressaltado que tal situação “encontrava-se bem definida no artigo 59 do antigo Código Civil (‘salvo disposição especial em contrário, a coisa acessória segue a principal’), cujo teor, embora não esteja expressamente repetido no novo Código, encontra guarida no artigo 92, que mantém o princípio de que a coisa acessória segue a sorte da principal”[3].

Inobstante a disciplina estar inicialmente voltada aos bens – conceito que não abrange os negócios jurídicos, independentemente de sua qualificação –, o princípio accessorium sequitur suum principale está presente em todo o Código Civil e também se dirige ao campo das obrigações.

Mas para que se avalie a pertinência da aplicação desta regra aos atos e contratos analisados pelo Tribunal de Contas, há a necessidade de aprofundamento de alguns conceitos gerais.

 

A aplicação da regra da acessoriedade no Direito Privado

Como pontuado acima, a classificação entre os bens principais e acessórios se extrai do artigo 92, do Código Civil, que determina que “principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal”.

O Código Civil de 1916 estabelecia quanto ao tema que “salvo disposição especial em contrário, a coisa acessória segue a principal” (artigo 59, do Código Civil de 1916) e, embora ausente regra expressa no atual Codex neste sentido, a doutrina civilista compreende que tal regra permanece vigente[4].

Como se extrai dos dispositivos legais em comento, a acessoriedade decorre de uma relação de dependência que incide na existência do bem. Por isso, a noção de que o bem principal existe por si só, de forma abstrata ou concreta, não dependendo de qualquer outro fato para permanecer no mundo jurídico, enquanto o bem acessório depende necessariamente da existência do principal para coexistir no ordenamento jurídico e, uma vez extinto o principal, não lhe cabe sorte diversa.

No âmbito do Direito Civil, essa relação de dependência não se extingue na temática dos bens, sendo que “a acessoriedade pode existir entre coisas e entre direitos, pessoais ou reais”[5], aplicando-se, igualmente, à temática dos contratos:

Os contratos principais são os que têm existência autônoma, independentemente de outro. São, até mesmo por força dos princípios da autonomia da vontade e da liberdade contratual, a regra geral no sistema jurídico. Por exceção, existem determinadas relações contratuais cuja existência jurídica pressupõe a de outros contratos, a qual servem. É o caso típico da fiança, caução, penhor, hipoteca e anticrese[6].

Logo, a classificação empregada para os bens pode ser dirigida aos contratos privados que, mesmo excepcionalmente, podem ser designados como principais ou acessórios, a depender do tipo de relação de dependência que entre eles se forme.

 

A aplicação da regra da acessoriedade no Direito Público

A Lei de Licitações e Contratos Administrativos, limitando-se a um campo bem menos abrangente do que o Código Civil, não trouxe qualquer regramento sobre o tema, até mesmo porque incidem sobre as relações jurídico-administrativas, de forma excepcional, as disposições gerais de Direito Privado[7].

A princípio, sendo a acessoriedade regra atinente à disciplina da teoria geral dos contratos, nada impediria que essa distinção fosse aplicada aos contratos administrativos, desde que pertinente à avaliação realizada. Nesse sentido, cite-se, por exemplo, a natureza acessória do contrato de garantia de execução de obras comparativamente ao contrato administrativo para a execução de uma obra pública (artigo 56, da Lei n° 8.666/1993).

No entanto, o reconhecimento de que acessoriedade poderia ser aplicada às relações jurídicas de Direito Público – e notadamente aos contratos administrativos – não implica reconhecer a adequação do emprego desse conceito para o julgamento de irregularidade realizado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Ao menos não sem o aprofundamento de outras abordagens, conforme tópicos seguintes.

 

Da (in)existência de acessoriedade entre a licitação e o contrato administrativo

Partindo-se da premissa de que a regra da acessoriedade teria aplicação no campo do Direito Público, cumpre analisar se a relação de dependência necessária para a sua incidência está presente nas avaliações realizadas pelo TCE/SP, mais precisamente se existe dependência entre o contrato administrativo e a licitação da qual tenha derivado.

A licitação, de acordo com a clássica lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, consiste em “procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados”[8]. Pela ideia de procedimento administrativo, extrai-se, também, que a licitação nada mais é do a “sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo”[9].

O contrato administrativo, por sua vez, é “um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado”[10]. Antes de administrativo, trata-se de um contrato, uma relação jurídica estabelecida entre uma ou mais partes e que, em razão de sua natureza, se afasta do conceito de ato administrativo atinente às licitações.

O que caracteriza um contrato administrativo, portanto, não é a situação de advir de um procedimento licitatório, fato que embora relevante não é digno de nota para fins de conceituação do instituto. Também é administrativo o contrato emergencial advindo de contratação direta por dispensa (artigo 24, inciso IV, da Lei Geral de Licitações) ou o contrato decorrente de credenciamento por inexigibilidade (artigo 25, da Lei Geral de Licitações).

A nota distintiva para a definição dos contratos como administrativos também não está na presença da Administração Pública enquanto contraente, sendo reconhecida a possibilidade de que entes públicos celebrem contratos privados. Será a estreita submissão à lei e a possibilidade de instabilização do vínculo contratual pela variação do interesse público que qualificará determinado contrato como administrativo.

Isso quer dizer que embora a licitação seja, em regra, a fonte originária dos contratos administrativos, não haverá uma imediata relação de dependência entre um e outro, a ponto de que eventual irregularidade presente no procedimento de licitação macule a validade do respectivo contrato.

Nesse sentido, o legislador houve por bem traçar uma linha cronológica entre esses atos e negócios jurídicos, que corresponde ao procedimento de homologação do certame, previsto no artigo 43, inciso VI, da Lei n° 8.666/1993, seguido da adjudicação do objeto do contrato ao vencedor da licitação.

O ato de homologação, como pondera Carlos Ari Sundfeld, tem duplo conteúdo, sendo que “de uma parte, declara a sua validade, sua conformidade com os ditames normativos” e “de outro, decide pela contratação”[11]. Trata-se, em outros termos, do julgamento, pela Administração, da legalidade de todo o procedimento licitatório, sendo certo que “estando ele de acordo com a lei e o edital, a autoridade superior determinará a adjudicação do objeto licitado ao proponente classificado em primeiro lugar, mas se verificar qualquer ilegalidade deixará de homologar o julgamento e invalidará o ato irregular ou todo o procedimento, conforme o caso”[12].

Logo, o ato de homologação, por si só, é espécie de controle da legalidade da licitação, de forma que dele não poderá sobrevir qualquer irregularidade a macular o contrato decorrente. Diante da irregularidade cabe à autoridade a sua convalidação ou a sua invalidação, a depender da escala de gravidade do vício identificado, como esclarece Hely Lopes Meirelles:

A autoridade terá diante de si três alternativas: confirmar o julgamento, homologando-o; ordenar a retificação da classificação no todo ou em parte, se verificar irregularidade corrigível no julgamento; ou anular o julgamento, ou todo o procedimento licitatório, se deparar irregularidade insanável e prejudicial ao certame em qualquer fase da licitação[13].

Com isso, parece correto afirmar que a identificação de eventual irregularidade da licitação não poderá alcançar o contrato dela decorrente, posto que o ato de homologação, enquanto típico controle interno, sanará o vício ainda na fase licitatória. Por esse aspecto, não há acessoriedade que faça eventual irregularidade do certame ser transposta ao contrato administrativo.

Dessa forma, não nos parece que a técnica decisória ou princípio da acessoriedade possa ser aplicada como fundamento da declaração de irregularidade do contrato por vício ou falha eventualmente encontrada na licitação, tendo em vista a ausência de uma relação de dependência a afetar a existência de um ou outro, salvo nas hipóteses específicas de nulidade, que serão abordadas em tópico distinto.

 

A discussão de acessoriedade entre o contrato e seus aditivos

Ponderou-se anteriormente que a acessoriedade também é aplicada pelo TCE/SP para julgar a regularidade de aditivos em relação ao respectivo contrato, sendo que a irregularidade que acometa esse último eventualmente alcançaria os aditamentos celebrados, tornando-os igualmente irregulares.

Partindo do pressuposto de que a acessoriedade é aplicada quando existente relação de dependência entre os bens, direitos ou negócios jurídicos reciprocamente avaliados, há, de fato, uma dificuldade de análise voltada à compreensão do tema.

Isso porque, a conexão existente entre os termos aditivos e o contrato do qual derivam não é necessariamente de dependência, posto que instrumentalizam uma mesma relação jurídica. O contrato e os aditivos são, antes de mais nada, um tipo de instrumento apto a formalizar um negócio jurídico.

A diferença pode ser sútil, mas se mostra relevante para a avaliação ora realizada. Enquanto a acessoriedade alcança relações jurídicas diversas, mas conexas por um vínculo de dependência; o liame entre um instrumento de contrato e seus aditivos é de continuidade, tratam-se, ambos, de mecanismos inerentes a um mesmo negócio jurídico.

Mas se contrato e aditivo formalizam instrumentos de uma única (e mesma) relação jurídica, poder-se-ia sustentar que a dependência sequer seria necessária, não havendo razão para se invocar a acessoriedade, pois presente vício no contrato, seus aditivos seriam automaticamente contaminados por tratarem do mesmo negócio jurídico. E, sim, a resposta pode ser positiva, a depender da análise do caso propriamente dito.

Contudo, um aprofundamento do tema para a resposta a esse questionamento perpassa necessariamente pela avaliação, ainda que pontual, da teoria das nulidades aplicadas aos atos e contratos administrativos, assim como ao alcance das decisões dos Tribunais de Contas quando apreciam a regularidade destes atos e contratos.

 

Alguns aspectos relacionados à teoria das nulidades no Direito Administrativo

Não é a pretensão desse artigo retomar toda a ampla análise que vem sendo há muito realizada pela doutrina acerca da aplicação da teoria das nulidades no Direito Administrativo, mas apenas esclarecer alguns aspectos fundamentais à análise do tema em destaque.

Nesse sentido, rememore-se que são muitas as classificações existentes no Direito Público para o tratamento acerca da validade ou invalidade de um ato ou contrato administrativo, sendo aqui adotada a categorização de Celso Antônio Bandeira de Mello.

Para o autor, os atos inválidos são classificados em atos inexistentes, atos nulos e atos anuláveis, a depender do grau de lesividade que representem ao interesse público. Os atos inexistentes são aqueles acometidos de vício que os insira no campo da impossibilidade jurídica, enquanto a distinção entre atos nulos e anuláveis está centrada na possibilidade ou não de sua convalidação e saneamento do vício. O autor também identifica a categoria dos atos irregulares, que apresentam falhas de menor relevância, geralmente relacionadas a algum equívoco de formalização.

A classificação acima apresentada é trabalhada pela doutrina também com relação às consequências jurídicas desses atos. Nesse sentido, os atos inexistentes teriam vícios de notória gravidade, a ponto de sequer produzirem efeitos[14]; os atos nulos, quando assim reconhecidos, teriam seus efeitos desconstituídos com a invalidação; os atos anuláveis poderiam ter seu vício sanado e efeitos convalidados, assim como os atos irregulares[15].

As consequências da identificação de um ato ou contrato inválido, a partir da classificação acima apresentada, tem relação direta com a possibilidade ou não do julgamento por acessoriedade, considerando a ideia de dependência trazida à tona pelo TCESP para a extensão dos efeitos de suas decisões.

A tese da acessoriedade, como já se pontuou, é aplicada ao julgamento da regularidade de um ato ou contrato. Mas, antes de se prosseguir, convém um esclarecimento pontual sobre o julgamento de regularidade.

A Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Lei Complementar n° 709/1993) emprega o julgamento de regularidade somente à competência de julgamento de contas (artigo 71, inciso II, da Constituição Federal), quando lhe autoriza a decidir sobre sua regularidade, regularidade com ressalvas ou irregularidade (artigo 32, da LC).

Tal classificação, portanto, não está voltada para a análise dos atos e contratos isoladamente, mas ao julgamento de contas, que é uma competência específica, dentre tantas outras previstas no artigo 71, da Constituição Federal e no artigo 2°, da Lei Complementar n° 709/1993. Todas as demais atribuições do órgão permanecem submetidas ao julgamento de legalidade, legitimidade e economicidade.

Nesse sentido, identificada qualquer contrariedade do ato (sob controle) à lei, por qualquer das perspectivas acima referenciadas (legalidade, legitimidade ou economicidade), o ato estará viciado, o que, por sua vez, demanda a análise do alcance e lesividade do vício apontado para fins de sua manutenção ou não no ordenamento jurídico.

Como consequência dessa análise, identificada causa de nulidade – que, como visto, demanda a retirada do ato do ordenamento jurídico – poderão seus efeitos alcançar atos que tenham relação de dependência ou, mesmo que assim não se apresentem, tenham correlação entre si.

A Lei de Licitações não desborda dessa realidade ao prever, por exemplo, que “a declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos” (artigo 59), assim como que “a nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato” (artigo 49, §2°).

Note-se que a lei é expressa em consignar regra geral do Direito acerca dos efeitos da invalidação dos atos nulos[16], o que não se aplica à identificação de causa de nulidade, passível de convalidação e, com menor razão, às simples irregularidades.

Logo, não é porque a licitação apresentou uma “irregularidade”, no conceito genérico empregado pelo TCE/SP, que o contrato decorrente será contaminado pelo vício. Somente a identificação de uma causa de nulidade, que autoriza a invalidação do ato e de todos os seus efeitos, poderá ter alcance suficiente para abranger o ato seguinte, mesmo que desconsiderada completamente a tese da acessoriedade.

 

Considerações finais

Apesar de os julgamentos do Tribunal de Contas fazerem menção à análise de regularidade, sua avaliação tem maior amplitude e alcança, em verdade, a avaliação de legalidade do ato / contrato passível de controle. O controle de legalidade – que é apenas um dos possíveis critérios do controle exercido pela Corte de Contas – incide sobre a validade do ato, autorizando, portanto, que tais órgãos identifiquem atos eventualmente inexistentes, nulos e anuláveis (além de meramente irregulares).

A extensão do tipo de determinação em cada situação, no entanto, difere na prática, seja em relação ao tipo de vício encontrado, seja quanto ao tratamento dos efeitos produzidos. Como se pôde avaliar, a invalidação de um ato e de seus consectários apenas será possível quando identificada causa de nulidade – para as hipóteses de anulabilidade ou irregularidade, o saneamento do vício é o caminho.

Nesse sentido, o emprego da regra da acessoriedade, enquanto técnica de julgamento ou princípio de ponderação, deve ser usada com parcimônia pelos Tribunais de Contas, na medida em que não tem o alcance pretendido e demonstrado especialmente na jurisprudência do TCE/SP, afora a clara problemática relacionada ao direito de defesa das partes, limitado pela ausência de apreciação específica de cada ato praticado.

Por fim, vale a ressalva de que mesmo que identificada causa de nulidade no controle, não cabe aos Tribunais de Contas à invalidação imediata do ato[17], cuja competência se volta especialmente à Administração Pública, não descartada, se for o caso, a responsabilização do agente que venha a descumprir sua determinação.

 

Referências bibliográficas

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

FREIRE, André Luiz. Manutenção e retirada dos contratos administrativos inválidos. São Paulo: Malheiros, 2008.

GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Volume IV. Tomo I. Contratos: Teoria Geral. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Volume 1 – Parte Geral. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo. São Paulo: Malheiros.

ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. São Paulo: Malheiros, 1990.

 

[1] Existem acórdãos anteriores a essa data, porém, ao que consta da pesquisa de jurisprudência realizada pela ferramenta disponibilizada pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, a partir do ano de 2008, os acórdãos relacionados ao tema aparecem de forma mais frequente.

 

[2] Cf. artigo 92, do Código Civil: “Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal”.

[3] Cf.: TCE/SP. TC n. 13516/026/02. Relator Conselheiro Fúlvio Julião Biazzi. Sessão de 14/09/2009.

[4] Cf.: “A coisa acessória segue lógica e obviamente a principal (RT, 177:151); apesar de inexistir disposição expressa em lei a respeito, esse princípio infere-se da análise do ordenamento jurídico” (DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 137).

[5] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Volume 1 – Parte Geral. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 189.

[6] GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Volume IV. Tomo I. Contratos: Teoria Geral. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 70.

[7] Cf. artigo 54, da Lei n° 8.666/1993: “Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado”.

[8] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 526.

[9] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 487.

[10] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 621.

[11] SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo. São Paulo: Malheiros, p. 178.

[12] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 280-281.

[13] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 281.

[14] Cf.: “Em suma, os atos inexistentes não introduzem normas jurídicas, eles realmente não existem no sistema jurídico-positivo como atos jurídicos; logo, não serão fontes de efeitos jurídicos (direitos, deveres, pretensões etc.). Ou seja, eles não são atos administrativos, não sendo possível cogitar sequer de sua invalidade (que, repita-se, pressupõe a existência)” (FREIRE, André Luiz. Manutenção e retirada dos contratos administrativos inválidos. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 77-78).

[15] Cf.: “O princípio da legalidade visa a que a ordem jurídica seja restaurado, mas não estabelece que a ordem jurídica deva ser restaurada pela extinção do ato inválido. Há duas formas de recompor a ordem jurídica violada, em razão dos atos inválidos, quais sejam, a invalidação e a convalidação. Aliás, parece mais consentâneo com a restauração da legalidade, ao menos quando nos deparamos com atos que podem ser repetidos sem vícios, instaurá-la, no presente, pela correção do ato do que por sua fulminação. Assim, o princípio da legalidade não predica necessariamente a invalidação ou a convalidação, uma vez que ambas são formas de recomposição da ordem jurídica violada” (ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. São Paulo: Malheiros, 1990. p. 54).

[16] Cf. artigo 169, do Código Civil: “O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. Válida, também, a menção ao artigo 184, do Código Civil, que assim consigna: “Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal”.

[17] Nesse sentido, válida menção a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema: “De partida, considere-se que o Tribunal de Contas da União não é um tribunal administrativo, no sentido francês, dotado de poder de solução dos conflitos em última instância. O princípio da inafastabilidade da jurisdição impede que haja essa equiparação, além do que os poderes desse órgão estão devidamente delimitados constitucionalmente no art. 71 da Constituição, o qual, na parte de interesse, estabelece: (…) Especificamente no que se refere ao caso dos autos, o inciso IX do art. 71 da Carta Maior fornece o núcleo das prerrogativas do TCU no exame de atos e negócios administrativos. Suas atribuições abrangem a fixação de prazo ao órgão ou à entidade a fim de que adote providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade. (…) De acordo com a jurisprudência do STF em torno desse inciso, ‘o Tribunal de Contas da União, embora não tenha poder para anular ou sustar contratos administrativos, tem competência, conforme o art. 71, IX, para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou’” (MS 23.550, redator do acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento em 4/4/02, Plenário, DJ de 31/10/01). (STF, MS 26000, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 16/10/2012, Grifos nossos).

 

Artigo originalmente publicado no portal JUS, em 13.05.2020.

A possibilidade de dinamização do ônus probatório no Tribunal de Contas

Aquele que utilize bens, dinheiros e valores públicos tem o dever de prestar contas. Essa obrigação deriva da Constituição Federal (art. 70, §ú). O Decreto-Lei 200/1967, igualmente, determina o dever de justificação do bom e regular emprego de dinheiros públicos por quem os utilize (art. 93). No mesmo sentido, a Lei n. 8.666/93 estabelece competir aos responsáveis por contratos e demais instrumentos regidos pela lei a demonstração, perante o Tribunal de Contas, da legalidade e regularidade da despesa e da execução (art. 113, caput).

A partir dessas disposições verifica-se que nos processos administrativos do Tribunal de Contas que tratem de prestação ou de tomadas de contas ordinária, cabe ao respectivo responsável provar o bom emprego dos recursos utilizados. A tomada de contas ordinária compreende a submissão, por parte do ordenador de despesas, de suas contas ao Tribunal ao final do exercício (arts. 81 e 81, do Decreto-Lei 200/67, e art. 7º, da Lei Orgânica do TCU). O Tribunal de Contas, em tais processos, tem uma atuação passiva, visto que examina os documentos e informações que o gestor público disponibiliza.

É, assim, decorrência lógica que em tais circunstâncias o ônus probatório acerca da regularidade da aplicação dos recursos públicos recaia ao ordenador de despesa, na medida em que conhecedor das particularidades e aspectos fáticos que envolvem a situação concreta

Com isso, observa-se a prevalência em processos de prestação ou tomada de contas ordinária, como regra, da inversão do ônus da prova, na medida em que se transfere ao responsável o ônus de comprovar a regularidade da utilização dos recursos públicos sob a sua gestão. Caso não a demonstre, resta confirmada a constatação de irregularidade apontada pela auditoria, com as respectivas consequências cabíveis (instauração de processo de tomada de contas especial, condenação em débito, multa etc.).

No tocante aos processos de fiscalização, de outro lado, em que estão compreendidas as auditorias, representações, denúncias, levantamentos, inspeções, acompanhamentos e monitoramentos, cabe primeiramente ao Tribunal de Contas, por meio de seu corpo técnico instrutivo, demonstrar as irregularidades apontadas na fiscalização mediante evidências e fatos que sustentem a sua conclusão.

Aos responsáveis e aos interessados, por sua vez, compete demonstrar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Estado em obter ressarcimento ou punir em função dos apontamentos deduzidos pela respectiva unidade técnica do Tribunal em sua fiscalização. Há, portanto, a atribuição de ônus probatório tanto à equipe técnica do órgão que conduz a instrução como para o responsável ou interessado.

A distribuição do ônus probatório nos processos de fiscalização parece-nos similar à clássica disciplina geral existente no processo civil voltada ao autor e ao réu em que ao primeiro incumbe fazer prova quanto ao fato constitutivo de seu direito; e, ao segundo, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. É o que se denominou chamar de distribuição fixa ou estática do ônus da prova, tendo em vista que a legislação desde logo afirma, a priori e abstratamente, a quem incumbe provar os fatos em discussão.

Ocorre que o Código de Processo Civil/2015, além de adotar a teoria estática do ônus da prova, inovou ao consagrar também a teoria dinâmica do ônus da prova1. Isso quer dizer, a teor do que dispõe o seu art. 373, §§1º e 2º, que o juiz pode inverter a obrigação tradicional de produção probatória, seja por força de lei, seja diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo.

A regra permite ao magistrado, a partir da análise do caso concreto, avaliar quem está em melhores condições de produzir a prova, distribuindo o respectivo ônus entre as partes de forma diversa da prevista em lei. O juiz deve se atentar à extrema dificuldade ou impossibilidade que a parte, a quem incumbiria originariamente o ônus, teria para fazer a prova de determinado fato ou à maior facilidade que uma das partes possui para fazer prova do mesmo fato2.

Diante desse dispositivo, exsurge a possibilidade de o Tribunal de Contas, fazendo as devidas adaptações3, redistribuir o ônus probatório em casos nos quais, por suas particularidades, seja impossível ou muito dificultosa a comprovação de que houve a boa e regular utilização do recurso público. Sempre que as condições materiais e processuais se fizerem presentes, a Corte de Contas pode (e, pensando em processo justo, deve4) dinamizar o ônus da prova, a fim de tutelar adequadamente os interesses em jogo.

A aplicação da dinamização do ônus da prova pressupõe estarem presentes as suas condicionantes. Dito de outro modo, o Tribunal de Contas deve primeiramente verificar a inadequação de se aplicar a regra prevalecente acerca da obrigação de se produzir determinada prova. Se a regra diz que incumbe ao responsável ou interessado, em um processo de fiscalização, provar fatos que afastem a imputação de ato irregular atribuído pelo corpo instrutivo do Tribunal, o seu afastamento somente pode ocorrer em situações nas quais tal incumbência não se mostra razoável.

O caso concreto, muitas vezes, pode não estar harmonizado com a regra geral referente ao ônus probatório. Em razão de suas especificidades ou estando-se diante de situação anormal, inexiste aderência do caso com a razão motivadora da regra. Nestas hipóteses, o princípio da razoabilidade orienta a sua inaplicação.

Nesse sentido, o art. 373, §1º, do Código de Processo Civil/2015, estabeleceu parâmetros a serem considerados para que se excepcione a regra geral, isto é, para que se modifique a atribuição do ônus da prova quando a regra não se mostrar razoável. São quatro as hipóteses: (i) nos casos previstos em lei; (ii) diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade da parte cumprir o encargo; (iii) diante de peculiaridades da causa relacionadas à excessiva dificuldade de cumprir o encargo; (iv) diante de peculiaridades da causa relacionadas à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. Em todos os casos a decisão deve ser motivada.

Observe-se que o Tribunal de Contas já fez uso do disposto no artigo 373, do Código de Processo Civil/2015. O caso envolvia suposto sobrepreço apurado em obra pública, já em fase de tomada de contas especial. Os responsáveis foram instados a se manifestar sobre as irregularidades constatadas somente treze anos após a ocorrência dos fatos, o que dificultou a apresentação de provas da economicidade dos preços contratados. Por tal circunstância, ao apreciar recurso interposto pelos responsáveis contra a decisão de mérito que lhes havia imputado débito, o Tribunal entendeu existir sérias dúvidas sobre a existência ou não de prática de preços acima do mercado, bem como não ser possível assegurar a exatidão do dano imposto aos responsáveis.

Considerando ainda a própria dificuldade ao exercício do contraditório e da ampla defesa pelo transcurso de tempo desde a ocorrência dos fatos, o Plenário da Corte de Contas entendeu por bem arquivar o feito por falta de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo. Confira-se o enunciado do referido julgado:

A distribuição do ônus probatório nos processos de fiscalização do TCU segue a disciplina do art. 373 da Lei 13.105/2015 (CPC), aplicada às peculiaridades da atividade de controle externo, competindo: a) à unidade técnica do Tribunal demonstrar os fatos apurados nas fiscalizações, mediante a juntada das evidências que os suportam; b) aos órgãos fiscalizados e aos terceiros interessados provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Estado de obter ressarcimento e/ou punir a prática de ato ilegal, ilegítimo e antieconômico que lhes fora atribuída pelo corpo instrutivo do Tribunal5.

Ao reconhecer a dificuldade dos responsáveis na apresentação de provas da economicidade dos preços contratados e afastar tal ônus por conta do longo período decorrido entre a ocorrência dos fatos e a citação, o Tribunal de Contas aplicou, ainda que sem menção expressa, a teoria dinâmica do ônus da prova, consubstanciada no §1º, do art. 373, do CPC, pelo qual “diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo (…), poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso”.

A situação descrita no caso apreciado pelo TCU não é incomum. Por vezes, a intimação do responsável ou do interessado para se manifestar a respeito de determinado ato imputado como irregular se dá após longo transcurso de tempo da sua ocorrência. Como consequência, a produção de provas em seu favor pode se tornar árdua ou mesmo inviável. A distância dos fatos prejudica a memória dos acontecimentos e das justificativas que envolveram a situação questionada, além de comprometer a reunião de informações e documentos necessários ao exercício pleno do contraditório.

No mais das vezes, o responsável já mudou de função, de órgão ou mesmo já se afastou do serviço público, limitando o seu acesso às informações que necessitará prestar. Isso sem considerar a possibilidade de ter havido descarte ou extravio de documentos relevantes para a demonstração da boa e regular aplicação dos recursos.

Enfim, todas essas situações, e muitas outras que podem advir de um longo decurso temporal entre o ato questionado e a intimação, dificultam sobremaneira ou impossibilitam a realização da prova, não sendo razoável que o respectivo encargo de provar a inocorrência de irregularidades recaia sobre o responsável ou o interessado.

Em casos como esse, a aplicação da carga dinâmica do ônus probatório se mostra adequada seja para atribuir exclusivamente ao corpo instrutivo do Tribunal de Contas o encargo de provar, de modo incontroverso, os fatos constitutivos da irregularidade, seja para concluir que, em função da extrema dificuldade ou inviabilidade da produção probatória em favor do responsável ou interessado, o exame da matéria restou inconclusivo, conduzindo à extinção do processo.

Vale destacar que a prova dos fatos constitutivos da irregularidade somente pode ser tida como incontroversa se, projetando-se o cenário em que as condições de o responsável ou interessado realizar contraprova fossem possíveis, ainda assim inexistiria chance de se afastar a impropriedade detectada. Dito de outro modo, não pode haver dúvida de que o ato irregular ocorreu, e mesmo que se produzisse determinada contraprova que se mostra inviável ou dificultosa na ocasião, esta não seria suficiente para elidir as respectivas consequências da constatação. Havendo dúvida, entretanto, a solução deve ser a extinção do processo, diante da impossibilidade de se ter um exame preciso e completo da matéria.

Outra situação hipotética em que a distribuição dinâmica da prova pode se mostrar recomendável diz respeito à comprovação de fatos negativos (ex.: não realizei determinado ato; não estive com aquela pessoa). Imagine-se denúncia apresentada ao Tribunal de Contas dando conta da ocorrência de fraude em determinada licitação.

A denúncia narra a ocorrência de conluio entre licitantes, mediante combinação de lances entre o representante da empresa A e o representante da empresa B. Suponha-se que a denúncia seja inverídica e, ao contrário de sua narrativa, os dois representantes nunca mantiveram contato. Por se tratar de fato negativo e indefinido, é impossível ou excessivamente difícil ao representante da empresa A provar que nunca teve contato com o representante da empresa B. Em um caso como esse, o ônus da comprovação deve caber ao denunciante ou ao corpo instrutivo do Tribunal de Contas (caso este, ao receber a denúncia, verifique que a mesma preencha os requisitos de admissibilidade). E se não lograrem êxito em produzir tal prova, a denúncia deve ser rejeitada.

Pode-se concluir que a possibilidade de flexibilização do ônus da prova nos processos administrativos do Tribunal de Contas, sempre que o caso concreto assim exigir, por conta de suas particularidades, tem o condão de tornar o processo mais justo e efetivo, evitando-se desigualdades. Representa, por isso, importante instrumento de que o órgão julgador e os interessados podem se valer com vistas à garantia da isonomia processual.

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1 Sobre as diferenças entre distribuição estática e dinâmica do ônus probatório, confira-se: “O atual CPC inova ao prever, de forma expressa, a possibilidade de dinamização do ônus da prova. Anteriormente, havia tão somente a previsão da inversão do ônus da prova no art. 6º, VIII, do CDC, o qual era apenas uma via de mão única de facilitação probatória para um grupo restrito de sujeitos e demandas. Na distribuição estática do ônus da prova, cada uma das partes sabe, de antemão, sobre quais espécies de fatos sua atividade probatória deve recair, como também sobre quem recai o risco de não prová-los. A distribuição dinâmica do ônus da prova, por sua vez, significa que o encargo probatório será distribuído tendo em vista as condições probatórias das partes litigantes, conforme o caso concreto. Por conseguinte, dinamizar significa a possibilidade de alterar o ônus estático previsto previamente em lei consoante o direito material e as especificidades do caso. Trata-se de uma forma de efetivar os princípios da cooperação, do acesso à justiça e da adequação, permitindo que os ônus probatórios possam ser modificados em concreto, de forma a não gerar dificuldades excessivas na produção de provas”. (MACÊDO, Lucas Buril; PEIXOTO, Ravi, art. 373. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo (Orgs.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 558.

2 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; et al. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 891-892.

3 Nesse sentido, Aldem Johnston Barbosa Araújo, ao defender a aplicação da dinamização do ônus da prova nos processos administrativos, aponta o seguinte: “a aplicação da carga dinâmica da prova em tais feitos deverá ser submetida a inevitáveis adaptações, ante a constatação de que: primeiro, não há partes no processo administrativo (há interessado); segundo, não há um juiz isento e equidistante e; terceiro nem sempre há lide”. (Processo administrativo e o novo CPC: impactos da aplicação supletiva e subsidiária. Curitiba: Juruá, 2017, p; 138).

4 Nesse sentido: “presentes os requisitos, há dever-poder do juiz da distribuição dinâmica, sob pena de violação da norma” (FERREIRA, William Santos. Art. 373. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. WAMBIER, Teresa Arruda et al. (Coords.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1411). “A prescrição legal trabalhou como ‘poderá’, no que nos causa estranheza, posto que avalizamos como dever, assim como tivemos a inclusão de várias outras passagens do NCPC de deveres do magistrado. A interpretação judicial não pode ser outra, pois a ratio da norma é o procedimento probatório e, caso o juiz não determine, restará inviabilizada a prova e qual será o papel da teoria da decisão nesse feito?” (GÓES, Gisele Santos Fernandes. Art. 373. In: ALVIM, Angélica Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão (Coords.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 492).

5 Cf. Acórdão 1522/2016-Plenário, j. 15/06/2016, Rel. Benjamin Zymler.

GIUSEPPE GIAMUNDO NETO – Especialista em direito público (infraestrutura, controle e regulação). Mestre em Direito do Estado pela USP e sócio do Giamundo Neto Advogados.

*Para citar este artigo: GIAMUNDO NETO, Giuseppe. Quem não é parte pode acessar processo no Tribunal de Contas? Portal Jota. 01/10/2019. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-possibilidade-de-dinamizacao-do-onus-probatorio-no-tribunal-de-contas-01102019. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Nova orientação jurisprudencial do TCU – Contagem do prazo de duração da declaração de inidoneidade

por Fernanda Leoni

Nos últimos anos, especialmente com a deflagração da “Operação Lava Jato”, o Tribunal de Contas da União, valendo-se da prerrogativa contida no artigo 46, da Lei Federal nº 8.443/1992 (“Lei Orgânica do TCU”), vem instaurando representações para a apuração e declaração de inidoneidade de empresas que tenham participado de certames com suspeita de fraude.

Segundo o texto legal, “verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal”, não havendo, ao longo do corpo da norma, ou mesmo em seu Regimento Interno, qualquer outra disposição sobre o tema.

Para evitar dúvidas acerca da aplicação desta sanção, especialmente sobre a cumulação de mais de uma declaração de inidoneidade, no ano de 2012, o TCU instaurou processo administrativo para estudo do tema (TC nº 027.014/2012-6), visando a consolidação do modo com que a Controladoria-Geral da União fazia o registro desta restrição em cadastro de contratações federais.

Sob a relatoria do Ministro Walton Alencar, em sessão realizada no dia 24/02/2016, foi proferido o Acórdão nº 348/2016 – Plenário, por meio do qual foram firmados alguns entendimentos não somente quanto ao prazo da sanção, mas também sobre o seu alcance. A orientação que passava a vigorar pode ser assim sintetizada:

  • Com relação à extensão das sanções impostas pelo TCU, entendeu-se que a declaração de inidoneidade também alcançava as licitações e contratações diretas promovidas por estados e municípios, quando custeadas com recursos oriundos de transferências voluntárias da União, afastando a dúvida sobre a abrangência da parte final do artigo 46, que estabelece que a fraude comprovada deve ocorrer em “licitação na Administração Pública Federal”.
  • A contagem do prazo para o cumprimento da sanção somente se inicia com o “trânsito em julgado” da decisão que a impôs.
  • No caso de ser aplicada mais de uma declaração de inidoneidade à mesma empresa, que podem ter períodos iguais ou diversos, o cumprimento de cada uma delas será sucessivo, e não concomitante. Isso porque, no entendimento do TCU, o cumprimento das sanções de forma concomitante inibiria o caráter retributivo da pena, reduzindo sua eficácia. Desse modo, supondo que a decisão “A”, que impõe a declaração de inidoneidade por um ano, comece a vigorar na data de hoje, eventuais sanções que sobrevenham a esta data se iniciam com o término da primeira pena, evitando que mais de uma sanção seja cumprida ao mesmo tempo.
  • Em todo o caso, independentemente do número de sanções cumuladas, o período total cumprido pela empresa decorrente de sua soma não pode ultrapassar o máximo de cinco anos, por aplicação analógica do artigo 75, do Código Penal, que prevê a unificação das penas. Havendo nova condenação neste período, decorrente de fato posterior ao início da sanção, será realizada nova unificação, a partir da soma do que restava a cumprir da sanção antiga com o período da nova sanção, desprezando-se o período já cumprido. Se a nova condenação for por fato anterior, o total da sanção é lançado no período total, limitado a cinco anos. Em geral, segue-se a regra vigente no Direito Penal.
  • Se após o cumprimento do período total destas sanções sobrevier nova declaração de inidoneidade, esta será considerada punição originária, independentemente de o fato, em si, ter ocorrido antes ou depois do período de execução.

 

Em face do Acórdão nº 348/2016 – Plenário, o Ministério Público de Contas interpôs Pedido de Reexame, buscando reformar, principalmente, o limite máximo de duração da soma das sanções, estabelecido em cinco anos. Para o MPTCU, as declarações de inidoneidade que se cumulassem não deveriam estar limitadas por prazo algum ou, se assim estivessem, que se aplicasse o prazo penal de trinta anos.

O Plenário do TCU, reunido em sessão do último dia 21/11/2018, desta vez sob a relatoria do Ministro Bruno Dantas, proferiu o Acórdão nº 2.702/2018, em que manteve o limite temporal de cinco anos para o cumprimento de sanções cumuladas, com algumas alterações no entendimento anteriormente consolidado.

As sanções cumuladas, que continuam sendo cumpridas de forma sucessiva, agora têm como marco o respectivo trânsito em julgado. De qualquer forma, para fins de cálculo do limite total de cinco anos, este período é calculado a partir da primeira dentre as várias sanções impostas.

Contudo, altera-se consideravelmente a orientação que vigorava para a prática de nova fraude no curso da execução de uma sanção de inidoneidade. Antes, como ponderado, existiam duas regras distintas para a superveniência da infração, que tinha formas igualmente distintas de cálculo e início, a depender da data do ilícito (se antes ou depois da imposição da primeira pena).

Agora, havendo nova fraude no curso da execução, a contagem do limite de cinco anos será reiniciada da data deste novo ilícito (e não do trânsito em julgado da decisão), desprezando-se todo o período já cumprido e realizando-se nova unificação. Na prática, portanto, as sanções cumuladas poderão superar o período de cinco anos, a partir desta interpretação menos rígida da própria orientação do Tribunal.

TCE-SP determina a revisão de edital da CPTM para supervisão de obras em nova estação

A existência de obscuridades em edital de concorrência para supervisão de obras da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) fez o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo mandar a empresa reformular o documento.

O edital envolve a prestação de serviços técnicos especializados de engenharia para supervisão de obras da nova estação de trens Francisco Morato, da Linha 7-Rubi da CPTM. Em fevereiro, a licitação já havia sido suspensa liminarmente por determinação do TCE.

A decisão atende duas representações que questionaram o edital. Uma delas foi proposta pelo escritório Giamundo Neto Advogados, representado por Camillo Giamundo e Gabriela Soeltl. Nela, os advogados contestaram o critério de julgamento das propostas, que davam margem à subjetividade na atribuição de notas e escolha dos licitantes. Além disso, apontaram obscuridade no orçamento estimativo da obra.

Ao julgar o mérito das representações, o TCE confirmou a falta de clareza no orçamento. De acordo com o relator, conselheiro Dimas Eduardo Ramalho, é imprescindível ao prosseguimento da licitação segmentar o orçamento estimativo, apontando o valor dos custos dos serviços de supervisão referente a cada obra. Segundo o TCE-SP, a individualização elimina riscos de possíveis pagamentos em descompasso a efetiva prestação dos serviços.

O TCE também reconheceu que precisa ser revisto o critério de avaliação da proposta técnica, pois o texto atual abre margem para subjetividade. “Carece o edital de definição precisa e objetiva que possibilite estabelecer o que se considera uma exposição Boa (3 pontos – Conhecimento suficiente) ou Excelente (5 pontos – Conhecimento profundo), à título exemplificativo, devendo ser empregada necessária objetividade nos respectivos critérios de avaliação”, explica o relator.

Nova estação
No dia 16 de novembro de 2017, o ex-governador Geraldo Alckmin assinou o contrato para a construção da estação Francisco Morato, na Linha 7-Rubi. O consórcio vencedor foi o Spavias-Telar pelo valor de R$ 114,9 milhões. O prazo de execução é de 36 meses, contados a partir de ordem de serviço, mais um ano de operação assistida.

A licitação paralisada pelo TCE-SP, com valor de mais de R$ 22 milhões, definiria a empresa responsável pela supervisão dessas obras.

 

Matéria de autoria de Tadeu Rover, originalmente publicada em 14.05.2018 no site CONJUR: https://www.conjur.com.br/2018-mai-14/tce-sp-manda-cptm-refazer-edital-supervisao-obras

TCU reconhece a possibilidade de reequilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos em razão de variações cambiais

Em 05.07.2017, por meio do Acórdão 1.431/2017, sob relatoria do Ministro Vital do Rêgo, o Tribunal de Contas da União decidiu sobre a possibilidade do reequilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos em razão de variações cambiais, estabelecendo novos parâmetros e definições, especificamente nos casos de contratos que tenham por objeto principal a prestação de serviços executados no Brasil, com a característica de importação de bem ou serviço.

Em tal decisão, o TCU reconhece que a variação cambial inesperada e significativa pode ser suficiente para ensejar eventual reequilíbrio econômico-financeiro do contrato firmado, com a limitação de que tal procedimento se dê exclusivamente em relação aos insumos humanos e materiais adquiridos na localidade de prestação dos serviços. O reequilíbrio, no entanto, não deve alcançar itens da planilha de custos do contrato precificados a partir de índices ou percentuais sobre outros itens da planilha de custo (a exemplo da taxa de administração) que incidam sobre os serviços executados e bens fornecidos no exterior.

De acordo com o Relator, o entendimento de que a variação do câmbio pode ser considerada um fato apto a ocasionar uma recomposição nos contratos deve seguir as seguintes premissas:

  • constituir-se em um fato com consequências incalculáveis, ou seja, cujas consequências não sejam passíveis de previsão pelo gestor médio quando da vinculação contratual,
  • ocasionar um rompimento severo na equação econômico-financeira impondo onerosidade excessiva a uma das partes. Para tanto, a variação cambial deve fugir à flutuação cambial típica do regime de câmbio flutuante; e
  • não basta que o contrato se torne oneroso, a elevação nos custos deve retardar ou impedir a execução do ajustado, como prevê o art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/1993.

 

O entendimento em questão, representando uma nova linha de análise e interpretação dos riscos contratuais, poderá ser um novo paradigma do Tribunal de Contas em outros contratos firmados com base em moeda corrente estrangeira.