Artigo: Programas de integridade na Nova Lei de Licitações

por Christian Fernandes Gomes da Rosa

A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, nº 14.133, de 1º de abril de 2021, faz referências a Programas de Integridade, um instituto jurídico cuja estrutura foi positivada no Decreto nº 8.420/2015, que regulamentou a Lei Anticorrupção Brasileira – Lei nº 12846/2013.E segundo aquele regulamento, nos termos de seu artigo 41, tem-se que:

[…] programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Conceitualmente, o direito brasileiro incorporou dessa maneira uma prática organizacional privada, voltada ao controle de riscos de fraudes e corrupção, criando assim incentivos para que pessoas jurídicas sujeitas à Lei Anticorrupção pudessem adotar os mecanismos de mitigação de riscos e monitoramento interno aptos a coibir e tratar eventos indesejáveis nas contratações com o poder público. Desta forma, pessoas jurídicas capazes de demonstrar a implementação de um Programa de Integridade, já encontravam na Lei nº 12.846/2013 benefícios como a redução da multa aplicada para eventual infração às disposições da norma, conforme previsão do seu artigo 7º, inciso VIII e parágrafo único.

Muito embora regulamentado desde 2015, o instituto do Programa de Integridade ganhou alguma notoriedade e muita relevância estratégica para grandes corporações brasileiras no curso da celebração de importantes acordos de leniência, especialmente a partir de 2018. Com efeito, a implantação de um Programa de Integridade tornou-se um requisito obrigatório para pessoas jurídicas que, tendo cometido atos lesivos à administração pública, desejassem colaborar com as investigações e transacionar com autoridades competentes a fim de encerrar processos administrativos de responsabilização (“PAR”), cujas sanções podem alcançar até 20% do faturamento bruto da pessoa jurídica, ou R$ 60 milhões de reais, quando não for possível aferir o faturamento.

Considerado esse contexto, não é surpresa que a nova Lei de Licitações tenha se valido desse instituto, já relativamente consolidado no cenário jurídico brasileiro, para buscar a melhoria do ambiente de negócios entre a administração pública e o setor privado.

Referências ao Programa de Integridade podem ser encontradas no artigo 25, §4o, como exigência ao licitante vencedor, em caso de contratos de grande vulto, acima de R$ 200 milhões. No artigo 60, inciso IV, como um dos critérios de desempate de propostas em certames. No artigo 156, §1o, inciso V, como um critério a se considerar na aplicação de sanções por infração à Lei nº 14.133/2021. E no artigo 163 como requisito de reabilitação a sancionados, de maneira muito assemelhada à exigência que se faz às pessoas jurídicas subscritoras de acordos de leniência.

O emprego desse instituto pelo legislador na nova norma de licitações amplia a sua relevância no direito público brasileiro e parece sinalizar claramente o entendido de que um Programa de Integridade, implantado de acordo com requisitos regulamentares e instruções dos órgãos de controle, constitui uma ferramenta útil de governança e boas práticas, capaz de promover a regularidade no âmbito das relações público-privadas.

Sua estruturação e operação, no âmbito das pessoas jurídicas de direito privado, deve se pautar pela observância das exigências apresentadas nos artigos 41, parágrafo único, e 42, incisos, ambos do Decreto nº 8.420/2015.

Necessariamente, o Programa de Integridade deve ser estabelecido como um conjunto de controles para riscos identificados, especificamente, nas operações da pessoa jurídica. Sua eficácia prática e validade, para atendimento também da nova Lei de Licitações, exige uma demonstração de pertinência e razoabilidade entre os riscos de fraudes ou suborno identificados na operação da entidade privada e as regras internas e procedimentos adotados para mitigar a frequência ou a magnitude do impacto dos eventos coibidos pela norma brasileira.

Nesse esforço pelo cumprimento das indicações e determinações agora também da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, as pessoas jurídicas devem se atentar igualmente às diretrizes e requisitos publicados pelos órgãos de controle que, junto às normas técnicas internacionais sobre o tema, são ferramentas fundamentais para que organizações privadas implantem e operem um adequado Programa de Integridade, assim instituído como efetivo sistema de gestão dos riscos de lesões à administração pública.

Artigo originalmente publicado na Coluna Licitações e Contratos, no Portal da Infra, em 15.09.2021.

Artigo: Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos e a indústria farmacêutica – Parte 2

por Joaquim Augusto Melo de Queiroz

Retomando a análise iniciada na parte 1 deste artigo acerca dos reflexos da Lei n. 14.133/2021 sobre o setor farmacêutico, serão abordadas as demais questões polêmicas e práticas nas licitações e contratos administrativos deste segmento.

 

  1. Inexigibilidade de licitação e inviabilidade de competição

A inexigibilidade de licitação é um tema de alta octanagem para o setor e deflagrador de grande celeuma no mercado farmacêutico em um passado recente. A Lei n.º 14.133/2021 não cuidou de delinear com precisão o conceito de inviabilidade de competição apto a impor a inexigibilidade de licitação (art. 74). Em seus incisos é apresentado rol exemplificativo de hipóteses que conduziriam à inviabilidade de competição, mas não há definição legal do conceito.

Nos fornecimentos de medicamentos, via de regra, a inviabilidade de competição funda-se na existência de fabricante único e/ou de seu distribuidor exclusivo. Contudo, há alguns anos, o Ministério da Saúde promoveu compras de medicamentos órfãos (destinados ao tratamento de doenças raras) em que vilipendiou a existência de fabricantes únicos, e, portanto, a sua condição de fornecedores exclusivos. Permitiu-se a contratação de supostos distribuidores que não reuniam os predicados regulatórios para tanto e que não figuravam como distribuidores credenciados pelos fabricantes. O tema é extremamente sensível e merece exame mais cuidadoso pela Administração Pública e pelos órgãos de controle.

 

  1. Dispensa de licitação para aquisição de medicamentos para o tratamento de doenças raras

O art. 75, inciso IV, alínea ‘m’ da Lei n.º 14.133/2021 instituiu nova hipótese de dispensa de licitação, nos casos de aquisição de medicamentos destinados exclusivamente ao tratamento de doenças raras, assim definidas pelo Ministério da Saúde. A nova regra é controversa, a despeito da sua louvável intenção de garantir a continuidade do fornecimento destes medicamentos aos pacientes.

A primeira crítica tecida escora-se na subversão do próprio regramento da lei nos casos em que há inviabilidade de competição. Isso porque a inviabilidade de competição atrairia o caráter impositivo da inexigibilidade, pela sua própria antecedência lógica em relação à dispensa. A experiência prática inclusive confirma a incongruência do novo dispositivo. Com efeito, observou-se que o Ministério da Saúde ora opta por formalizar a aquisição direta do medicamento por inexigibilidade de licitação, ora performa a compra por meio de dispensa (invocando a situação de urgência preconizada pelo inciso IV do art. 24 da Lei n.º 8.666/1993).

A nova regra parece, portanto, ter sido desenhada para tentar conferir legitimidade a essa prática recorrente do Ministério da Saúde: a de utilizar a dispensa de licitação para deturpar o contexto de efetiva urgência. O expediente merece censura por não se amoldar ao dever de planejamento imanente à Administração Pública, o que deveria conduzir à estruturação orgânica de aquisições periódicas, com a antecedência necessária, justamente para assegurar o fornecimento ininterrupto desses medicamentos e a continuidade do tratamento terapêutico. Nos casos de inviabilidade de competição, tônica geralmente presente em relação aos medicamentos órfãos, incumbiria à Administração Pública organizar-se para que as aquisições fossem realizadas por inexigibilidade de licitação, de modo sistemático.

A nova norma também parece embutir um objetivo transverso, guiado a obter a blindagem do agente público. Ao validar-se a aquisição por dispensa de licitação (mesmo nos casos em que ela deveria ocorrer por inexigibilidade), o intuito velado parece ser contornar eventuais questionamentos de órgãos de controle sobre a efetiva configuração da inviabilidade de competição. Desse modo, a conduta do agente público estaria salvaguardada de eventual escrutínio dos órgãos de controle.

 

  1. Direito do fornecedor à extinção do contrato

Calvário vivido pela indústria farmacêutica, especialmente nos últimos 5 anos, decorre dos constantes atrasos da Administração Pública em quitar os pagamentos devidos.

A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos buscou endereçar esse problema ao reduzir de 3 para 2 meses o prazo máximo permitido para o atraso nos pagamentos (art. 137, § 2°, inciso IV). Estabeleceu-se, ainda, de forma clara, que o prazo deverá ser contado da data de emissão da nota fiscal. Superado este prazo, a empresa poderá legitimamente pleitear a extinção do contrato.

Embora a inovação seja positiva, a sua operacionalização ainda poderá padecer de maiores entraves. Na eventualidade de a Administração não efetuar o pagamento devido em prazo superior a dois meses, o fornecedor não estará automaticamente autorizado a encerrar o contrato. Em realidade, ainda dependerá de uma decisão formal para obter a liberação do seu vínculo contratual. A Lei n.º 14.133/2021 explicitou agora que essa decisão poderá ser tanto judicial quanto arbitral (em decorrência de cláusula compromissória ou compromisso arbitral), o que não chega a ser uma novidade, sobretudo após o advento da Lei n.º 13.129/2015.

 

  1. Ordem cronológica de pagamentos e responsabilização do agente público

O art. 141 da Lei n.º 14.133/2021 trouxe originalidade no regramento sobre os efeitos da inobservância à ordem cronológica de pagamentos. Deve a Administração Pública observar a ordem cronológica dos pagamentos, salvo em situações extraordinárias, agora expressamente arroladas nos incisos do § 1° deste dispositivo. A alteração da ordem cronológica ainda deverá ser comunicada ao órgão de controle interno e ao tribunal de contas competente, o que poderá refrear impulsos direcionados ao favorecimento de determinados credores. Há ainda enunciado específico (§ 2° do art. 141) sobre a apuração de responsabilidade do agente em caso de inobservância imotivada da ordem cronológica1, o que vem em boa hora.

De fato, a penúria financeira de diversos entes federativos, assumindo obrigações para além de sua capacidade orçamentária, produziu uma conjuntura de aguda crise em desfavor dos fornecedores de medicamentos. Estas empresas, não raro, são forçadas a continuar a entregar seus produtos (de caráter essencial) sem qualquer contrapartida financeira. Nesse contexto, a nova norma é benfazeja, oportuna e deve ser exaltada. Com efeito, deve ser saudada a concepção de mecanismos que evitem expedientes para obstruir a ordem cronológica de pagamentos.

 

  1. Portal nacional de contratações públicas

A criação do PNCP (Portal Nacional de Contratações Públicas) encerra outra novidade de eco para a indústria farmacêutica (art. 174). Grosso modo, trata-se de uma plataforma eletrônica (recentemente lançada pelo Ministério da Economia) na qual serão compiladas informações sobre os planos de contratação anuais, os avisos para contratação direta, os editais de licitação e seus anexos, as atas de registro de preços, os contratos e respectivos termos aditivos, as notas fiscais eletrônicas etc. A nova lei prevê que o PNCP deverá oferecer banco de preços em saúde, o que se imagina será regulamentado de acordo com o Banco de Preços em Saúde já existente2. A relevância do tema advém das diligências usualmente realizadas por gestores para a aferição de preços de medicamentos. Caso se concretize essa uniformização de dados, as práticas de concessão de descontos específicos em determinadas conjunturas regionais deverão ser avaliadas com cautela, especialmente em um cenário de possibilidade de adesão a atas de registro de preços por outros órgãos3.

 

  1. Carta de solidariedade do fabricante

A possibilidade de exigência de apresentação de carta de solidariedade emitida pelo fabricante, que assegure a execução do contrato, no caso de licitante revendedor ou distribuidor, passou a ser regulada de modo expresso pelo art. 41, inciso IV.

O tema ensejava acalorados debates diante da inexistência de preceito específico nesse sentido na Lei n.º 8.666/1993 e na Lei 10.520/2002. O Tribunal de Contas da União e o Supremo Tribunal Federal repeliam esta exigência, sob o fundamento de que frustrava o caráter competitivo da disputa. Especificamente em relação ao setor farmacêutico, a discussão se tornava mais renhida pelas disposições antes constantes no art. 5°, § 3°, da Portaria n.º 2.814/1998, do Ministério da Saúde4. Diante do advento da Lei n.º 14.133/2021 é possível que este dispositivo venha a ser declarado inconstitucional.

 

  1. Redução do prazo mínimo para a apresentação de propostas e lances

Por fim, o § 1° do art. 55 preceitua que os prazos mínimos para a apresentação de propostas e lances poderão, mediante decisão fundamentada, ser reduzidos até a metade nas licitações realizadas pelo Ministério da Saúde, no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde).

Como se observa, os efeitos projetados pela Lei.º 14.133/2021 sobre as licitações e contratos administrativos da indústria farmacêutica são significativos. Existem inovações úteis, oportunidades a serem exploradas e pontos sensíveis que demandarão atenção redobrada das empresas do setor.

1 O que poderá ensejar interpretações divergentes sobre a extensão do preceito, caso a motivação seja meramente genérica e dissociada de fundamentos efetivamente legítimos.

2 O Banco de Preços em Saúde – BPS é um sistema desenvolvido pelo Ministério da Saúde e se destina ao registro e à consulta de informações de compras de medicamentos e produtos para a saúde realizadas por instituições públicas e privadas. A Resolução n.º 18, de 20 de junho de 2017, da Comissão Intergestores Tripartite, já tornava obrigatório o envio das informações necessárias à alimentação do Banco de Preços em Saúde – BPS pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

3 Vale observar, nesse sentido, a possibilidade inscrita no § 7° do art. 86, o qual permite a adesão à ata de registro de preços gerenciada pelo Ministério da Saúde, por órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, para aquisição emergencial de medicamentos e material de consumo médico-hospitalar, sem o limite estabelecido no § 5° (dobro do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços).

4 O Supremo Tribunal Federal havia apreciado essa questão em decisão liminar proferida na ADI 4105. O dispositivo foi então revogado pela Portaria 1.167/2012, do Ministério da Saúde, o que ensejou a perda do objeto da ADI.

Artigo originalmente publicado na Coluna Licitações e Contratos, no Portal da Infra, em 23.08.2021.

Artigo: Sistema de registro de preços e a nova Lei de Licitações: principais alterações e vantagens trazidas pela Lei Federal 14.133/2021

por Camillo Giamundo e Marília Bassi

A Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) consolidou regras e práticas de três dos principais diplomas utilizados para orientar as contratações públicas no Brasil: a Lei n.º 8.666/1993, antiga Lei Geral de Licitações e Contratos; a Lei n.º 10.520/2002, que disciplina a modalidade do pregão e, finalmente, a Lei n.º 12.462/2011, que instituiu o RDC (Regime Diferenciado de Contratações Públicas).

As inovações promovidas pelo novo diploma refletem a necessidade de conferir eficiência e transparência às contratações públicas, a exemplo da (i) inversão de fases como regra nos procedimentos licitatórios; (ii) obrigatoriedade de previsão de programa de compliance para contratações de grande vulto; (iii) criação do Portal Nacional de Contratações Públicas – P.N.C.P; (iv) atualização dos valores de contratação direta; e da (v) incorporação da modalidade conhecida como diálogo competitivo.

Especificamente em relação às contratações habituais e frequentes da administração pública, destacamos as principais alterações verificadas no sistema de registro de preços, integrante dos chamados procedimentos auxiliares e previsto a partir do art. 82 da Lei n.º 14.133/2021.

Antes da nova lei, o registro de preços era previsto no art. 15, II e parágrafos da Lei n.º 8.666/1993, tendo sido regulamentado, em âmbito federal, pelo Decreto n.º 7.892/2013 e Decreto n.º 9.488/2018.

Com efeito, sem destituir a definição já conhecida, a Lei nº 14.133/2021 descreve o sistema de registro de preços como sendo o “conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos a prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens para contratações futuras” (art. 6º, XLV).

Embora a jurisprudência recente dos tribunais de contas já admitisse a adoção do sistema de registro de preços para contratação de obras e serviços de engenharia, a nova lei resolveu o problema da ausência normativa e trouxe essa previsão de forma expressa, condicionando a contratação ao preenchimento dos seguintes requisitos: (i) existência de projeto padronizado, sem complexidade técnica e operacional e (ii) necessidade permanente ou frequente de obra ou serviço a ser contratado, nos termos do art. 85 da Lei n.º 14.133/2021.

Também em consonância com as previsões anteriores, o art. 83 reafirma a inexistência de obrigatoriedade de contratação após o registro de preços dos bens e serviços pela administração pública, embora os participantes estejam vinculados às condições estabelecidas no instrumento convocatório, caso a contratação seja formalizada.

Além disso, a Lei n.º 14.133/2021 também traz alterações nas condições de participação dos órgãos ou entidades não participantes da ata de registro de preços, popularmente conhecidos como “caronas”. Os órgãos que não tenham participado do registro de preços, mas que queiram aproveitar o procedimento já promovido por outros entes, precisam comprovar alguns requisitos para a adesão, sendo eles: (i) apresentar justificativa da vantagem da adesão, inclusive em situações de provável desabastecimento ou descontinuidade de serviço público; (ii) demonstrar que os valores registrados estão compatíveis com os valores praticados pelo mercado e (iii) prévias consulta e aceitação do órgão ou entidade gerenciadora e do fornecedor (art. 86, §2º, I a III).

As contratações adicionais, todavia, não poderão exceder a 50% dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório e registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes, conforme regra já prevista no art. 22, parágrafo 3º do Decreto n.º 7.892/13 e replicada no parágrafo 4º do art. 86 da Lei Federal n.º 14.133/2021.

A nova lei ressalva, entretanto, que o quantitativo decorrente das adesões às atas de registro de preços não poderá exceder, na totalidade, ao dobro do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independentemente do número de órgãos não participantes que aderirem (art. 86, §5º).

Por outro lado, em atenção aos eventos e necessidades extraordinárias que impactam nas contratações públicas, como a atual pandemia mundial, o parágrafo 7º do art. 86 acaba por excepcionar a aquisição emergencial de medicamentos e material de consumo médico-hospitalar do limite previsto no parágrafo 5º do dispositivo legal, mencionado acima, que limita o quantitativo das contratações advindas das adesões às atas de registro de preços.

Outra regra, já prevista anteriormente no Decreto n.º 7.892/13, e que merece destaque e atenção é a disposição do parágrafo 8º do art. 86, que veda a possibilidade de que órgãos e entidades da administração pública federal participem de atas gerenciadas por outros entes federativos, enquanto os municípios e os estados podem aderir às atas gerenciadas pela União Federal.

Após formalizada, a ata de registro de preços terá prazo de vigência de um ano, podendo ser prorrogada por igual período, desde que comprovada a manutenção da vantajosidade dos preços registrados. O contrato decorrente da ata, ademais, terá sua vigência estabelecida em conformidade com as disposições nela contidas (art. 84).

Por fim, embora seja possível a contratação mediante registro de preços, efetivando-se, portanto, o princípio da eficiência e celeridade dos procedimentos de aquisição de bens e serviços, a Lei n.º 14.133/2021 faculta à Administração a realização de licitação específica, desde que devidamente motivada, nos termos do art. 83.

A nova Lei de Licitações, portanto, mostra um positivo avanço ao consolidar e regulamentar práticas já realizadas em certames públicos, especialmente no sistema de registro de preços, criando procedimentos claros e bem estabelecidos.

Artigo originalmente publicado na Coluna Licitações e Contratos, no Portal da Infra, em 20.08.2021.

Artigo: O Credenciamento e a Lei Federal 14.133/2021

por Thays Chrystina Munhoz de Freitas

A Lei Federal n.º 14.133/2021 foi editada com o intuito de implementar um regime geral de contratação pública, uniformizando as regras aplicáveis a modalidades de licitações e regimes de contratações públicas praticadas por meio de leis esparsas, como o Pregão e o RDC (Regime Diferenciado de Contratação). Além disso, a Lei trouxe inovações em relação a modelos e institutos ainda não experimentados e utilizados no Brasil, buscando modernização e aprimoramento do planejamento da gestão pública no que concerne às contratações públicas.

Outro ponto da Lei refere-se à positivação e regulamentação de temas que surgiram ao longo dos quase 30 anos da vigência da Lei n.º 8.666/93, os quais, em grande medida, extraídos de discussões encerradas no âmbito dos órgãos de controle e do Poder Judiciário a respeito da aplicação dos dispositivos da citada lei1.

Nesse sentido, verifica-se que os artigos 6º, XLIII, e 79, da nova Lei, igualmente, cuidou de positivar e regulamentar o Credenciamento, cuja utilização se difundiu ao longo da vigência da Lei nº 8.666/93, sem que nela houvesse qualquer previsão específica a respeito do tema.

Com efeito, o Credenciamento teve os seus contornos definidos a partir das orientações dos órgãos de controle, em especial dos Tribunais de Contas, que indicam que o referido modelo de contratação decorre da impossibilidade de competição que permitiria à Administração a escolha da proposta mais vantajosa, acomodando-se à situação de inexigibilidade de licitação, regulamentada pelo artigo 25 da Lei nº 8.666/93.

Nesse sentido, analisando casos concretos extrai-se situações de impossibilidade de competição, na busca da melhor técnica ou da melhor qualidade, tendo em vista que tais requisitos são estipulados pela Administração por meio do ato convocatório, para os quais existia interesse desta na contratação de todo o universo de interessados, por preço certo e prefixado.

O TCU (Tribunal de Contas da União) ao apreciar a matéria posicionou-se favoravelmente à adoção do Credenciamento como hipótese de inexigibilidade de licitação, para a contratação de serviços médico-hospitalares e odontológicos para atendimento de demanda dos servidores públicos federais (Decisão n.º 656/1995), oportunidade em que cuidou de delinear alguns aspectos essenciais voltados à sua caracterização e, ainda, de forma a assegurar sua adequada adoção pela Administração Pública2.

Além disso, verificou-se a edição de leis, normas e pareceres por entes e órgãos administrativos3 objetivando a regulamentação da utilização desta contratação no âmbito de suas competências, os quais, se apropriaram das orientações traçadas pelo TCU, fixando outros requisitos voltados ao aperfeiçoamento de sua utilização, como por exemplo, a necessidade de o respectivo processo administrativo contemplar parecer com justificativas para a adoção da inexigibilidade de licitação, a submissão da minuta de contrato à análise da Procuradoria Jurídica, a impossibilidade de fixação de critérios restritivos para a distribuição da demanda, a necessidade de observância de critérios objetivos de credenciamento que não atentem contra a isonomia e a restrição do universo de interessados.

Diante da existência de entendimentos distintos, voltados à fixar hipóteses de sua utilização e regulamentação do Credenciamento, ensejando, muitas vezes, a ausência de uniformidade na aplicação de regras e aspectos voltados à sua implementação, conclui-se que a Lei Federal n.º 14.133/2021 caminhou bem ao positivar a matéria, confirmando ser hipótese de inexigibilidade (art. 74, IV), viabilizando a sua utilização, também, para fornecimento de bens, e trazendo em seus artigos 6º, XLIII, IV, 78, I, e 79, conceito e regras aplicáveis ao Credenciamento.

Em que pese a previsão sobre a necessária regulamentação do Credenciamento, as disposições da nova Lei ao lhe atribuir conceito, enquadrando-o como procedimento auxiliar de contratação e, principalmente, ao fixar as hipóteses4 e regras fundamentais que deverão nortear a sua utilização, conferiram maior segurança jurídica à Administração Pública e aos particulares que adotam/atuam nesse modelo de contratação.

Nesse sentido espera-se que a regulamentação do Credenciamento traga luz para outros pontos e aspectos debatidos ao longo da adoção do instituto, como por exemplo, a indicação do(s) instrumento(s) necessário(s) à formalização da relação jurídica dele decorrente, fixando-os a partir da natureza e características do objeto a ser disponibilizado (bens, serviços de caráter continuado ou prestação sob demanda), identificando as normas a eles aplicáveis, de modo a preencher lacunas evidenciadas decorrente de sua utilização a partir de construção de entendimentos não refletidos pela legislação pátria.

Sobre este ponto específico, a expectativa é que a norma regulamentadora traga maior compreensão sobre o formato de contratação extraída a partir da convocação do particular para a execução do serviço ou fornecimento pretendido, delineado, a partir de sua natureza e características, de maneira mais clara os direitos e obrigações deles derivados.

Exemplificando o tema, mostra-se necessário identificar de forma clara se a convocação determinará a formalização da relação a partir de um contrato administrativo, atraindo para o caso as disposições relacionadas a prazos de vigência, direito ao reajuste de preços e, ainda, condições de execução dos serviços e fornecimento, ou de instrumento substitutivo (nota de empenho, ordem de serviço etc.), para os quais há orientações e normas distintas para as obrigações e direitos assumidos de parte a parte.

Muito embora existam aspectos que ainda devem ser melhor delineados a respeito dos contratos derivados do Credenciamento e o indicativo de que outras discussões se encerrarão em torno do instituto – o que se mostra natural diante de toda e qualquer alteração legislativa, seja para inaugurar ou consolidar conceitos no ordenamento jurídico –, por ora, a Lei n.º 14.133/2021 enfrenta de forma adequada o instituto, mostrando-se como instrumento hábil a endereçar as discussões que virão pela frente.

1 Como, por exemplo, definição de percentual para identificação das parcelas de maior relevância técnica ou de valor significativo para efeito de eleição de exigências de qualificação técnica (artigo 67, §1º), limitação de quantitativos exigíveis para comprovação de qualificação técnica (artigo 67, §2º), critérios para aferição de qualificação técnica mediante apresentação de atestados técnicos emitidos em favor de Consórcio de empresas (art. 67, §10, incisos I e II).

2 Os critérios e requisitos elencados pelo TCU podem ser resumidos da seguintes forma: (i) ampla divulgação e publicidade do ato convocatório, de forma a ampliar o universo de interessados e credenciados; (ii) fixação dos critérios e exigências mínimas para credenciamento dos interessados, garantindo-se bom atendimento e adequada prestação dos serviços; (iii) fixar de forma criteriosa a tabela que remunerará os diversos itens de serviços prestados, critérios de reajuste, condições e prazos de pagamento; (iv)vedação de pagamento de sobretaxa em relação à tabela utilizada para a remuneração dos serviços; (v) fixação de hipóteses de credenciamento em caso de não atendimento das regras e condições fixadas no Edital para o atendimento dos usuários; (vi) permissão de credenciamento a qualquer tempo, desde que preenchidas as condições mínimas exigidas; (vii) previsão da possibilidade de denúncia do ajuste, a qualquer tempo, mediante notificação da Administração Pública, com antecedência mínima, de acordo com prazo fixado do ato convocatório; (viii) possibilidade de os usuários denunciarem qualquer irregularidade verificada na prestação de serviços e/ou faturamento; (ix) fixação das regras que devem ser observadas pelo credenciado no atendimento dos usuários.

3 A título de exemplo, a Lei n.º 16.920/2010, do estado de Goiás; a Lei n.º 9.433/2005 do estado da Bahia, a Lei n.º 15.608/2007 do estado do Paraná; o Parecer n.º 0003/2017/CNU/CGU/AGU.

4 “Art. 79. O credenciamento poderá ser usado nas seguintes hipóteses de contratação:
I – paralela e não excludente: caso em que é viável e vantajosa para a Administração a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas;
II – com seleção a critério de terceiros: caso em que a seleção do contratado está a cargo do beneficiário direto da prestação;
III – em mercados fluidos: caso em que a flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação inviabiliza a seleção de agente por meio de processo de licitação.”

Artigo originalmente publicado na Coluna Licitações e Contratos, no Portal da Infra, em 09.08.2021.

Artigo: Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos e a Indústria Farmacêutica – Parte 1

por Joaquim Augusto Melo de Queiroz

As alterações promovidas pela Lei n.º 14.133/2021 trarão impactos significativos à dinâmica das licitações e contratos públicos de diversos setores industriais. Embora ainda seja prematuro precisar a exata extensão dessas alterações em cada segmento produtivo, é possível discernir seus efeitos mais expressivos em alguns ramos específicos da indústria. O setor farmacêutico é um deles.

As particularidades que revestem as atividades do segmento farmacêutico, e a singularidade dos contratos firmados por estas empresas com a Administração Pública, direcionarão a análise destas novas regas. O presente artigo, contudo, não cuidará de exaurir a amplitude de todas as alterações que a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos carreará a este setor. Mesmo porque algumas delas ainda serão verificadas com a maturação dos estudos sobre a nova lei e a experiência prática decorrente da sua aplicação. Serão examinadas, no entanto, as modificações mais candentes e alguns pontos objetivos capazes de ensejar maiores discussões.

De forma a sistematizar a análise aqui empreendida, as observações serão apresentadas em tópicos objetivos, correlacionando-se algumas das principais inovações da lei com os seus reflexos para o segmento farmacêutico.

 

  1. Princípio do planejamento

O princípio do planejamento (art. 5° da Lei n.º 14.133/2021) se assenta na necessidade de a Administração adotar as providências mais adequadas para a satisfação de suas necessidades, antevendo cenários diversos e possíveis intercorrências com o intuito de orientar a escolha mais acertada. Este princípio não encontrava correspondência na Lei n.º 8.666/1993. Sua relevância para o setor farmacêutico decorre de sua interrelação com as etapas do procedimento licitatório e da performance contratual. O princípio é plasmado em diversas providências e instrumentos utilizados ao longo da licitação, desde a sua fase interna ou preparatória.

De saída, a elaboração do Plano Anual de Contratação, por exemplo, alinha- se com o planejamento orgânico da estimativa do quantitativo de medicamentos necessários para assegurar o fornecimento contínuo ao longo do ano. O Estudo Técnico Preliminar, voltado à definição da solução mais congruente com as necessidades da Administração, compatibiliza-se com a definição do modelo em que se aperfeiçoará a contratação (inexigibilidade, dispensa, pregão – com a possibilidade de utilização do procedimento auxiliar do sistema de registro de preços etc.). A configuração detalhada do Termo de Referência, viabilizadora da delimitação precisa do objeto a ser contratado, influirá nos licitantes efetivamente qualificados a fornecer o produto. Nesse sentido, pondere-se, em relação ao Termo de Referência, sobre as discussões travadas acerca de medicamentos ofertados em formas farmacêuticas diferentes1 daquela declinada no edital, e quanto à possibilidade de intercambialidade entre medicamentos biossimilares e biológicos originadores2.

Em tal perspectiva, o Termo de Referência irradiará efeitos sobre a exata definição do medicamento buscado e dos licitantes que poderão fornecê-lo.

 

  1. Matriz de alocação de riscos

A matriz de alocação de riscos versa sobre a possibilidade (e, em alguns casos, a obrigatoriedade) de inclusão de cláusula com o objetivo de definir expressamente determinados riscos e responsabilidades contratuais. A matriz de alocação de riscos encontra-se disciplinada pelos arts. 22 e 103 da nova lei. Para a indústria farmacêutica, a pertinência desta cláusula coincide com os contratos que envolvem transferência de tecnologia (PDPs – Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo, por exemplo), nos quais a minuciosa fixação da matriz de risco afigura-se indispensável. Além disso, nos contratos que encerram fornecimentos de grande vulto (acima de R$ 200 milhões), essa cláusula se torna impositiva (§ 3° do art. 22).

 

  1. Diálogo competitivo

Umas das maiores novidades da Lei n.º 14.133/2021. O Diálogo Competitivo (art. 32) é uma nova modalidade de licitação, com inspiração no modelo europeu (Diretiva Europeia). Em linhas gerais envolve o diálogo entre a Administração Pública e licitantes previamente selecionados para a concepção de uma solução que atenda às necessidades da Administração, quando há incerteza ou indeterminação a respeito da melhor alternativa para o objetivo perseguido pela Administração Pública.

A possibilidade de utilização do Diálogo Competitivo, na área farmacêutica, pode abranger desde o desenvolvimento de soluções para tratamentos inovadores e urgentes, cuja eficácia ainda seja cientificamente incerta (R&D), como também situações de risk sharing relacionadas a terapias inovadoras, em que se tangencie questões sofisticadas de farmacoeconomia. Há, ainda, a possibilidade de emprego do Diálogo Competitivo para a formulação de modelagens modernas relativas à estrutura jurídica e financeira de contratos do segmento. Exemplos práticos desta última hipótese são os contratos para a transferência de tecnologia para produção de insumos, encomendas tecnológicas e contratos para o fornecimento de medicamentos destinados ao tratamento de doenças raras e ultrarraras, permeados por negociações financeiras intrincadas. O desenho de estruturas financeiras arrojadas e sofisticadas nestes casos pode encontrar amparo na utilização do Diálogo Competitivo.

Estas impressões sobre o primeiro bloco de tópicos da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos correlacionados às atividades empresariais da indústria farmacêutica não esgotam, evidentemente, o tema. Diante da amplitude das alterações suscitadas pela Lei n.º 14.133/2021, as demais matérias, revestidas de grande controvérsia, serão examinadas em uma segunda parte deste artigo.

1 Formas farmacêuticas são as diferentes formas físicas nas quais os medicamentos podem ser apresentados, para possibilitar o seu uso pelo paciente. 2 Medicamentos biológicos são obtidos a partir de fluidos biológicos ou de tecidos de origem animal.

Medicamentos biossimilares são medicamentos que se assemelham muito ao medicamento biológico comparador. Os medicamentos biossimilares são desenvolvidos por meio de procedimento de comparabilidade com o medicamento biológico, conforme previsto na Resolução RDC n.º 55/2010. A comparabilidade destina-se a evidenciar que não existem diferenças significativas em termos de qualidade, eficácia e segurança entre o medicamento biossimilar e o medicamento comparador.

A intercambialidade, de acordo com definição apresentada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), consubstancia “a prática médica de troca de um medicamento por outro que se espera obter o mesmo efeito clínico em um determinado contexto clínico e em qualquer paciente, sob a iniciativa ou com o consentimento do médico prescritor”.

Artigo originalmente publicado na Coluna Licitações e Contratos, no Portal da Infra, em 30.07.2021.

Artigo: Regime jurídico das concessões e PPPs: o que muda com a nova lei de licitações?

por Davi Madalon Fraga

A chamada Nova Lei de Licitações (Lei Federal 14.133/2021) substitui e consolida muitas das normas que regem as contratações públicas, inclusive aquelas constantes da Lei Federal 8.666/1993, da Lei do Pregão, do RDC, entre diversas outras, afetando, diretamente, o regime jurídico das contratações públicas que se deem sob o formato de um contrato administrativo tradicional.

Contudo, sabe-se, a escassez de recursos para promoção dessa espécie de contratação, entre outros motivos de ordem pragmática, tem conduzido a Administração Pública – em especial a Federal – a optar por contratos na modalidade de concessão ou de parcerias público-privadas (“PPPs”). De fato, segundo dados do Ministério da Infraestrutura, entre os anos de 2021 e 2022, estimam-se investimentos da de mais de 200 bilhões de reais em projetos nesse formato1.

Essa prevalência de modelos mais modernos de contratação enquanto substitutos daquele contrato administrativo clássico impulsiona o questionamento: especificamente quanto ao regime jurídico das concessões e das PPPs, a nova lei impõe alguma alteração?

Afinal, como se sabe, essas espécies contratuais, a despeito da aplicação subsidiária da agora antiga Lei de Licitações, são dotadas de regime jurídico próprio – regidas, respectivamente, pelas Leis Federais 8.987/1995 e 11.079/2004 – e, dessa feita, estão sujeitas a regramento específico.

Muito embora não se pretenda, nestas linhas, esgotar o tema ou apresentar soluções para as situações controversas que eventualmente venham a ser indicadas, é possível apresentar algumas conclusões iniciais. Afinal, como se sabe, a aplicação da Nova Lei de Licitações ainda é embrionária, bem como seu enfrentamento pelo judiciário e órgãos de controle, de modo que ainda há muito a ser construído no campo doutrinário e jurisprudencial até que se tenham estabelecidos os impactos dessa legislação nos contratos administrativos de concessão e PPP.

De pronto, impõe-se o registro: a nova Lei de Licitações não altera diretamente o conteúdo das Leis Federais 8.987/1995 e 11.079/2004. Contudo, as concessões de direito real de uso foram objeto de regulamentação específica pela Nova Lei, na forma do art. 2º, inciso I, segundo o qual, “[e]sta Lei se aplica [à] alienação e concessão de direito real de uso de bens”.

Para além disso, todas as modificações trazidas para os procedimentos licitatórios, também se aplicarão a todas as modalidades de concessão e PPP. A esse respeito, citem-se – apenas para exemplificar, já que não é esse o tema principal deste artigo – a possibilidade de uso da modalidade licitatória de diálogo competitivo (art. 6º, XLII, art. 28, V), um mecanismo até então estranho às contratações públicas no Brasil; a unificação da fase recursal, que agora se dá ao final da habilitação (art. 165, §1º, I); e o prazo para interposição de recursos, que foi reduzido de cinco para três dias úteis (art. 165, I).

Mas, em se tratando da aplicação subsidiária da Lei Geral aos regimes de concessão e PPP, algo muda?

Como se sabe, a antiga Lei Federal 8.666/1993 (art. 124) é expressa ao indicar sua aplicação subsidiária e supletiva a aquelas espécies de contratação em que não houvesse conflito com a legislação específica. A nova Lei repete esse comando em seu art. 186, segundo o qual “[a]plicam-se as disposições desta Lei subsidiariamente à Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, à Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004”.

Disso se extrai que toda alteração ao regime jurídico dos contratos administrativos que não confronte as disposições da Lei de concessões e da Lei de PPP também se refletirá nessas modalidades de contratação. Algumas alterações da nova legislação podem ser destacadas.

Uma delas consiste na remuneração variável, especificamente para a fase de execução de obras do empreendimento, em que a Administração remunere diretamente o particular para tanto. Conforme art. 144 da Nova Lei, na contratação de obras, fornecimentos e serviços de engenharia poderá ser estabelecida remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazos de entrega definidos no edital de licitação e no contrato.

Nessa hipótese, o pagamento poderá ser ajustado em base percentual sobre o valor economizado em determinada despesa, quando o objeto do contrato visar à implantação de processo de racionalização, hipótese em que as despesas correrão à conta dos mesmos créditos orçamentários, na forma de regulamentação específica.

Outra inovação está na possibilidade de se estabelecer mais de um índice de reajustamento anual, sendo ele específico ou setorial, conforme art. 92, §3º. Esse permissivo legal é especialmente interessante aos contratos de concessão de serviços públicos precedidos de obras públicas, uma vez que, do ponto de vista de mercado em um caso específico, é razoável supor índices ou fórmulas diferentes para reajuste da tarifa paga pelo usuário ou da outorga paga pelo concessionário e dos preços para execução de obras, por exemplo.

Também se vislumbra a possibilidade de adoção subsidiária da nova Lei aos contratos de concessão e PPP que envolvam obras públicas no que diz respeito à regulamentação do reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos. A legislação atualizada traz (art. 124, §2º), como fator típico a ensejar a repactuação para recomposição da equação econômico-financeira contratual, a execução de obras que tenha sido obstada por atrasos na conclusão de procedimentos de desapropriação, desocupação, servidão administrativa ou licenciamento ambiental, por circunstâncias alheias à esfera de responsabilidade e controle do contratado.

Por fim, outro destaque positivo da nova Lei no que diz respeito aos contratos e que se aplicará igualmente àqueles de concessão, é a norma contida do parágrafo único do art. 123, que estipula prazo máximo de um mês para que a Administração responda às solicitações formuladas pelo contratado. Muito embora não haja consequência para o descumprimento desse prazo, trata-se de um primeiro passo importante na tentativa de afastar as hipóteses de silêncio administrativo às quais os particulares contratados pelo Poder Público usualmente são sujeitados.

 

Artigo originalmente publicado na Coluna Licitações e Contratos, no Portal da Infra, em 23.07.2021.