por Fernanda Leoni

Nos últimos anos, especialmente com a deflagração da “Operação Lava Jato”, o Tribunal de Contas da União, valendo-se da prerrogativa contida no artigo 46, da Lei Federal nº 8.443/1992 (“Lei Orgânica do TCU”), vem instaurando representações para a apuração e declaração de inidoneidade de empresas que tenham participado de certames com suspeita de fraude.

Segundo o texto legal, “verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal”, não havendo, ao longo do corpo da norma, ou mesmo em seu Regimento Interno, qualquer outra disposição sobre o tema.

Para evitar dúvidas acerca da aplicação desta sanção, especialmente sobre a cumulação de mais de uma declaração de inidoneidade, no ano de 2012, o TCU instaurou processo administrativo para estudo do tema (TC nº 027.014/2012-6), visando a consolidação do modo com que a Controladoria-Geral da União fazia o registro desta restrição em cadastro de contratações federais.

Sob a relatoria do Ministro Walton Alencar, em sessão realizada no dia 24/02/2016, foi proferido o Acórdão nº 348/2016 – Plenário, por meio do qual foram firmados alguns entendimentos não somente quanto ao prazo da sanção, mas também sobre o seu alcance. A orientação que passava a vigorar pode ser assim sintetizada:

  • Com relação à extensão das sanções impostas pelo TCU, entendeu-se que a declaração de inidoneidade também alcançava as licitações e contratações diretas promovidas por estados e municípios, quando custeadas com recursos oriundos de transferências voluntárias da União, afastando a dúvida sobre a abrangência da parte final do artigo 46, que estabelece que a fraude comprovada deve ocorrer em “licitação na Administração Pública Federal”.
  • A contagem do prazo para o cumprimento da sanção somente se inicia com o “trânsito em julgado” da decisão que a impôs.
  • No caso de ser aplicada mais de uma declaração de inidoneidade à mesma empresa, que podem ter períodos iguais ou diversos, o cumprimento de cada uma delas será sucessivo, e não concomitante. Isso porque, no entendimento do TCU, o cumprimento das sanções de forma concomitante inibiria o caráter retributivo da pena, reduzindo sua eficácia. Desse modo, supondo que a decisão “A”, que impõe a declaração de inidoneidade por um ano, comece a vigorar na data de hoje, eventuais sanções que sobrevenham a esta data se iniciam com o término da primeira pena, evitando que mais de uma sanção seja cumprida ao mesmo tempo.
  • Em todo o caso, independentemente do número de sanções cumuladas, o período total cumprido pela empresa decorrente de sua soma não pode ultrapassar o máximo de cinco anos, por aplicação analógica do artigo 75, do Código Penal, que prevê a unificação das penas. Havendo nova condenação neste período, decorrente de fato posterior ao início da sanção, será realizada nova unificação, a partir da soma do que restava a cumprir da sanção antiga com o período da nova sanção, desprezando-se o período já cumprido. Se a nova condenação for por fato anterior, o total da sanção é lançado no período total, limitado a cinco anos. Em geral, segue-se a regra vigente no Direito Penal.
  • Se após o cumprimento do período total destas sanções sobrevier nova declaração de inidoneidade, esta será considerada punição originária, independentemente de o fato, em si, ter ocorrido antes ou depois do período de execução.

 

Em face do Acórdão nº 348/2016 – Plenário, o Ministério Público de Contas interpôs Pedido de Reexame, buscando reformar, principalmente, o limite máximo de duração da soma das sanções, estabelecido em cinco anos. Para o MPTCU, as declarações de inidoneidade que se cumulassem não deveriam estar limitadas por prazo algum ou, se assim estivessem, que se aplicasse o prazo penal de trinta anos.

O Plenário do TCU, reunido em sessão do último dia 21/11/2018, desta vez sob a relatoria do Ministro Bruno Dantas, proferiu o Acórdão nº 2.702/2018, em que manteve o limite temporal de cinco anos para o cumprimento de sanções cumuladas, com algumas alterações no entendimento anteriormente consolidado.

As sanções cumuladas, que continuam sendo cumpridas de forma sucessiva, agora têm como marco o respectivo trânsito em julgado. De qualquer forma, para fins de cálculo do limite total de cinco anos, este período é calculado a partir da primeira dentre as várias sanções impostas.

Contudo, altera-se consideravelmente a orientação que vigorava para a prática de nova fraude no curso da execução de uma sanção de inidoneidade. Antes, como ponderado, existiam duas regras distintas para a superveniência da infração, que tinha formas igualmente distintas de cálculo e início, a depender da data do ilícito (se antes ou depois da imposição da primeira pena).

Agora, havendo nova fraude no curso da execução, a contagem do limite de cinco anos será reiniciada da data deste novo ilícito (e não do trânsito em julgado da decisão), desprezando-se todo o período já cumprido e realizando-se nova unificação. Na prática, portanto, as sanções cumuladas poderão superar o período de cinco anos, a partir desta interpretação menos rígida da própria orientação do Tribunal.