Alta de custos pode atrasar obras de infraestrutura, e concessionárias tentam rever contratos

Alta de insumos encarecem projetos de infraestrutura, bandeira da campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Concessões tentam rever contratos

A alta de até 80%, desde o início do ano passado, no preço de insumos fundamentais para projetos de infraestrutura virou um problema para concessionárias de rodovias, ferrovias e aeroportos e uma dor de cabeça para o governo a menos de três meses da eleição.

Asfalto, aço e diesel, entre outros itens ligados à construção civil, dispararam em meio ao processo inflacionário global agravado pela guerra na Ucrânia. A alta nos custos ameaça frear obras das concessionárias, que falam em revisão de contratos num momento em que o governo está mais interessado em mostrar máquinas trabalhando. Construtoras que tocam obras públicas têm as mesmas dificuldades.

As concessionárias têm alertado o governo de que os custos mais altos podem atrasar obras e até prejudicar serviços de manutenção, com consequências para usuários. Esperam algum tipo de compensação para cumprirem metas assumidas nos leilões.

A lista de aumentos com forte peso no caixa das empresas é encabeçada pelo cimento asfáltico de petróleo, um dos materiais mais usados em qualquer projeto de rodovias. O insumo subiu 80% nos últimos 18 meses. Mas a alta de preços da construção civil se espalhou para itens como aço, tubos de PVC, ligantes betuminosos, madeira, cobre e óleo diesel.

As empresas de construção também reclamam dos preços dos insumos, como vergalhões, arames de aço ao carbono e cimento. Este último, somente no primeiro semestre, teve reajuste médio de 16,84%.

Em geral, as empresas tentam convencer o governo sobre a necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Isso pode significar, na prática, aumento de tarifas e de prazos estabelecidos nos contratos, entre outras medidas. Há problemas em concessões antigas e também nas celebradas no governo de Jair Bolsonaro (PL), que busca a reeleição em outubro.

— Existem, sim, problemas detectados no fluxo de caixa das concessionárias. O importante é que haja a construção da solução — diz Marco Aurélio Barcelos, diretor-presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR).

Ele reforça que obras podem atrasar: — Sem dúvida, sem mudanças, é possível falar em atraso, porque não tem conta que se pague. O risco que corre é o cronograma ficar comprometido.

Juro complica situação

Uma onda de revisão de contratos pode atingir em cheio uma das possíveis vitrines de Bolsonaro no ano eleitoral: a área de infraestrutura, que alçou o ex-ministro Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) à condição de candidato bolsonarista ao governo do Estado de São Paulo.

Em 2021, por exemplo, o governo federal assinou três concessões de rodovias: BR-116/101, entre São Paulo e Rio de Janeiro; BR-153/080/414, que abrange regiões de Goiás e Tocantins; e BR-163/230, cuja área contempla Mato Grosso e Pará.

O remédio aplicado pelo Banco Central para combater a inflação, a alta dos juros, dificulta ainda mais a situação com o aumento do custo dos financiamentos.

— A situação é muito difícil, até porque o problema dessa inflação não se resolve com taxas de juros elevadas. O caso de rodovias é bastante significativo. Serviços de manutenção e conservação de estradas são afetados, assim como projetos em andamento — diz o presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini.

Fernando Paes, diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), diz que a alta do diesel levou a entidade a pedir à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) uma revisão extraordinária dos tetos tarifários.

Ele afirma que o setor é muito impactado pelos “fortes e inesperados aumentos do preço do diesel”, que move as máquinas nos canteiros de obras, e cobra resposta rápida da agência:— O impacto da alta dos principais insumos para investimentos em ferrovias, assim como rodovias, portos e aeroportos, certamente demandará revisão dos contratos com previsão de investimentos.

Ele explica que um dos argumentos usados pelas concessionárias é o de que os reajustes anuais dos tetos tarifários seguem o IPCA ou o IGP-DI. Esses índices, enfatiza, não refletem a real inflação de custos do setor, cujos insumos estão subindo bem acima da média. — Temos a nossa inflação, que não é a inflação do dia a dia. O preço do aço subiu cerca de 70% em 2021 — exemplifica Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer).

Romaria em Brasília

Ao GLOBO, o Ministério de Infraestrutura e a ANTT confirmaram que têm tratado do tema com as concessionárias, mas informaram que, até o momento, não chegou nenhum pedido formal de revisão contratual. Porém, essa escalada de preços não cria um problema só para os contratos de concessões. Também encarecem as operações de construtoras que executam obras públicas. As empresas do setor tem feito romaria em Brasília em busca de reajustes nos contratos.

“O Ministério da Infraestrutura acompanha as eventuais variações de preços de insumos que possam afetar o setor. O sistema de orçamentação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) é baseado no Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro), cuja atualização é periódica e é amplamente utilizado como referencial de custos para obras rodoviárias”, informou a pasta em nota.

A Associação Nacional das Empresas Administradoras de Aeroportos (Aneaa) informa que acompanha com apreensão a escalada dos preços dos insumos para a construção civil, com aumentos expressivos desde meados de 2020.

“As concessionárias do setor têm de cumprir metas contratuais de investimento em ampliação da infraestrutura e a alta, em alguns casos de mais de 50%, observada nos preços de materiais pesados impacta fortemente as previsões de custos estabelecidas nesses contratos de concessão”, afirma em nota.

 

Aeroporto foi devolvido

Parte dos aeroportos administrados pela iniciativa privada conseguiu reequilibrar contratos neste ano, após o forte impacto dos primeiros anos da pandemia. Uma das empresas que pediu revisão e não teve êxito, a Changi decidiu partir para uma medida mais drástica: devolver a concessão do Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio.

A decisão acabou levando o governo a tirar o Aeroporto Santos Dumont, no Centro do Rio, do pacote de terminais a serem concedidos neste ano, atrasando ainda mais investimentos no setor. Os terminais cariocas só devem ir a leilão no ano que vem.

O advogado Frederico Favacho, sócio do escritório Santos Neto, acredita que o cenário pode gerar disputas na Justiça: — Quando há inflação no custo das obras, normalmente, não há espaço para repasse automático nos contratos firmados com os poderes públicos, que estão amarrados nos termos dos editais que os precederam. Isso pode levar a uma onda de judicialização desses contratos em busca do reequilíbrio econômico.

Especialista em contratos de infraestrutura, Giuseppe Giamundo Neto defende revisão. — Trata-se de uma problemática que atinge boa parte das concessões de infraestrutura com obras em desenvolvimento. Houve descolamentos inesperados dos padrões históricos de índices relacionados a materiais como asfalto, aço galvanizado, cimento Portland, dentre outros. É algo extraordinário e absolutamente imprevisível, que tem onerando demasiadamente o fluxo de caixa, daí a necessidade de imediata correção — argumenta o sócio do escritório Giamundo Neto Advogados.

Ernesto Tzirulnik, especialista em contratos de infraestrutura e doutor em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito da USP, avalia que a alta nos insumos se encaixa no critério de fator “imprevisível ou de consequências incalculáveis”, com entendimento, segundo ele, já consolidado do Tribunal de Contas da União (TCU).

 

Matéria de Eliane Oliveira, originalmente publicada em 18.07.2022, no O Globo (https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2022/07/alta-de-custos-pode-atrasar-obras-de-infraestrutura-e-concessionarias-tentam-rever-contratos.ghtml)

Para analistas, leilão conjunto é oportunidade no RJ

Licitação em bloco de Santos Dumont e Galeão em 2023 é viável e pode fortalecer Estado como “hub” nacional

A licitação conjunta dos aeroportos Santos Dumont e Galeão, no segundo semestre do ano que vem, é positiva não apenas para o Rio de Janeiro, mas para o sistema de aviação civil do país. E há tempo hábil para se desenhar uma modelagem que permita a licitação dos dois ativos em 2023.

Essa é a visão de especialistas consultados pelo Valor, segundo os quais é possível o leilão no ano que vem mesmo com uma possível mudança de governo. Segundo eles, a união dos dois aeroportos em um único bloco vai criar um sistema capaz de fortalecer a cidade como um “hub” de distribuição interna, sem que se corra o risco de aumento tarifário.

A decisão de licitar os dois aeroportos em um único bloco em 2023 foi anunciada pelo ministro Tarcísio Freitas após a concessionária RioGaleão, cujo controlador é a cingapuriana Changi, confirmar pedido de relicitação.

Para Delmo Pinho, ex-secretário de Transportes do Rio e representante da Fecomércio-RJ no grupo de trabalho que discutia com o governo federal a modelagem para a licitação do Santos Dumont, “é muito ruim para o país quando um grande operador internacional sai” de uma concessão.

Mas Pinho pondera que a saída da Changi criou um cenário mais favorável para o Rio voltar a ser “hub” relevante na aviação nacional. “O novo dono da concessão não vai dar tiro no pé e o resultado pode ser excelente para Rio e Brasil. Teremos concorrente de peso num mercado importantíssimo e trabalhando de forma cooperada”.

Para ele, é possível licitar os dois aeroportos conjuntamente no 2º semestre de 2023, mesmo considerando possível mudança de governo após as eleições. “Uma modelagem bem feita e de consenso não se muda. Temos esse ano para chegar a um consenso”, ressalta, lembrando que é preciso uma cláusula de barreira que impeça participação de concessionários de  ativos como Guarulhos, Viracopos e Brasília no leilão. “Temos que impor cláusulas de barreira para evitar monopólio privado.”

Eduardo Rebuzzi, representante da Associação Comercial do Rio no grupo de trabalho do Santos Dumont, nega que dois aeroportos geridos pelo mesmo concessionário signifique risco de monopólio. “Uma vez adquiridos pela mesma empresa, é óbvio que [concessionários] vão procurar criar equilíbrio entre os dois aeroportos”, diz.

Para o advogado Luiz Felipe Graziano, sócio do Giamundo Neto Advogados, a licitação em 2023 é “totalmente factível”, mesmo com a dependência de novas etapas, como audiências públicas e análise do Tribunal de Contas da União (TCU). “O combustível para viabilizar a licitação é a convergência de interesses”.

Graziano também lembra que a iniciativa de concessão de ativos aeroportuários começou a ser modelada e realizada ainda no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, passou por Michel Temer e continuou com Jair Bolsonaro. “Como isso atravessou três governos com perfis bem diferentes, é possível que sobreviva a uma alternância de poder.”

Maurício Menezes, sócio do escritório Moreira Menezes Martins, diz que unir os aeroportos “acaba sendo uma solução”, mas pondera que há a necessidade de um “amplíssimo” diálogo com a iniciativa privada. “É uma oportunidade para reflexão sobre a melhor forma [de fazer a modelagem] não apenas pela ótica do setor público, mas principalmente do privado.

Ele ressalta que não haverá competição “deletéria” entre os aeroportos, e acrescenta que há a vantagem da diluição de riscos, com dois ativos grandes no mesmo bloco. Menezes minimiza temores sobre encarecimento de tarifas pois, diz, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) tem poderes para evitar a escalada tarifária.

Em entrevista à “Veja” no fim de semana, o ministro disse que não é o Santos Dumont que rouba passageiros do Galeão, mas o Rio que perde visitantes. A declaração foi rebatida pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, no Twitter, para quem as declarações do ministro a respeito do Galeão “são sempre equivocadas, não condizentes com a verdade e pouco elegantes com o Rio”. Ele pediu para “parar de conversa fiada com o Rio”.

Matéria originalmente publicada em 13.02.2022, por Rafael Rosas, no Valor Econômico.

BNDES acelera projeto de saneamento no Nordeste e prevê R$ 15,5 bilhões

Estimativa é que quatro blocos na região cheguem ao mercado até o fim do ano que vem

Na esteira do leilão de concessões de água e esgoto da região metropolitana de Maceió (AL), cuja arrecadação somou R$ 2 bilhões, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem mais quatro projetos de saneamento no Nordeste previstos para chegar ao mercado entre o quarto trimestre deste ano e o último de 2022. O cronograma inclui a licitação de concessões na Paraíba e em mais dois blocos de municípios em Alagoas, além de uma Parceria Público-Privada no Ceará. O investimento total estimado é de R$ 15,5 bilhões, e a população beneficiada, de 8,28 milhões de habitantes.

Só os investimentos projetados para a PPP dos serviços de coleta e tratamento de esgoto em 23 municípios cearenses totalizam R$ 8,6 bilhões. A previsão é de que o leilão ocorra ainda este ano, entre outubro e dezembro. Dados do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS) indicam que em 2019 pouco mais de um quarto da população cearense era atendida por rede de esgoto.

A opção por uma PPP em vez de uma licitação das concessões de serviços de coleta e tratamento de esgoto levou em consideração uma análise técnica dos indicadores de saneamento, inclusive o acesso da população à água potável, explica Fábio Abrahão, diretor de Infraestrutura, Concessões e Parcerias Público-Privadas do BNDES.

Em Alagoas, outros dois blocos de municípios – além das 13 cidades da região metropolitana incluídas na licitação de setembro – deverão ter concessões leiloadas no primeiro trimestre de 2022, conforme a programação da BNDES. “O ‘efeito demonstração’ vale muito. Todo mundo olha Alagoas e diz: ‘Quero ter igual’”, resume Abrahão. Juntos, os novos blocos somam 89 municípios. A injeção de recursos é estimada em R$ 2,9 bilhões.

Sócio do escritório Giamundo Neto Advogados, Luiz Felipe Graziano destaca a percepção positiva do mercado a respeito da participação da estatal Sabesp (consorciada à Iguá Saneamento) no leilão de Alagoas. “Foi um indicativo muito interessante. Abriu a perspectiva para novos players [participantes]”, opina o advogado. Fundos de investimento buscam operadores privados de menor porte e até empresas estaduais bem administradas para entrar na disputa por concessões, conta Graziano.

A modelagem do processo de entrada da iniciativa privada nos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário está na fase inicial na Paraíba, com a contratação de consultores. “Estamos fechando a contratação com o BNDES, que vai estruturar um projeto nessa importante área da infraestrutura do Estado”, disse o governador da Paraíba, João Azevêdo (Cidadania).

Em nota, ele esclareceu que o BNDES trabalhará em conjunto com a Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba (Cagepa) para apresentar “a melhor alternativa” de recursos, em parceria com a iniciativa privada. O alcance inicial estabelecido para o projeto é de 96 municípios. A Cagepa presta serviços na maior parte (81,2%) dessas cidades. Pelas contas do BNDES, serão beneficiados 2,2 milhões de habitantes, o equivalente a 55% da população da Paraíba.

Na região Norte, o banco de fomento conversa com os governos de Rondônia e Roraima. Em Rondônia, está em discussão o modelo de contrato que seria assinado entre o BNDES e o Estado – fase anterior à da modelagem. Também estão em estágio inicial as negociações com Roraima.

Pelo menos até o fim de janeiro havia a expectativa de o governo baiano licitar concessões da Empresa Baiana de Água e Saneamento (Embasa). Segundo apurou o Valor, o governo estadual comunicou sua desistência ao BNDES. Por e-mail, a Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento (SIHS) da Bahia informou que estuda “a melhor modalidade de contratação para os estudos das concessões dos serviços de saneamento básico.”

Previsto para o segundo trimestre deste ano, o leilão no Acre foi cancelado porque o Estado desistiu de ofertar a concessão plena de seus serviços de saneamento básico.

 

Matéria de autoria do jornalista Rodrigo Carro, do Valor Econômico, publicada em 09.03.2021.

O grau de detalhamento e vinculação dos projetos de concessão

Qual deve ser o nível de detalhamento e de vinculação dos projetos de concessões e PPPs?

por Diogo Albaneze Gomes Ribeiro

Uma questão que frequentemente gera questionamentos e dúvidas no âmbito das modelagens de concessões e parcerias público-privadas (PPPs) refere-se à vinculação dos Licitantes às premissas técnicas e de investimentos previstas nessas modelagens.

Até que ponto, por exemplo, as soluções técnicas ou o montante de investimentos previstos nas modelagens de concessões ou PPPs devem vincular as partes contratantes? Afinal, nesses contratos, a concessionária se obriga a realizar obras/investimentos nos exatos termos definidos pelo concedente, ou a cumprir metas de serviços (de qualidade, ampliação e universalização) e, para tanto, obriga-se a realizar os investimentos necessários para o atingimento dessas metas?

Portanto, qual deveria ser o nível de vinculação e de detalhamento dos projetos de concessão licitados pelo Poder Público?

A resposta a esses questionamentos exige uma correta compreensão da natureza desses contratos, bem como daquilo que se entende como sendo uma adequada repartição de riscos em cada caso concreto.

O necessário reconhecimento de que os contratos de concessão configuram um contrato de resultado

Pela Lei Federal de Concessões (Lei nº 8.987/95), a delegação da exploração de serviços pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários (art. 6º).

Serviço adequado, por sua vez, é aquele “que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas” (§1º do art. 6º da Lei 8.987/95). Em última análise, serviço adequado é aquele que cumpre as metas de serviço ajustadas em contrato.[1]

Disso se depreende que o contrato de concessão deve ser entendido como sendo um contrato de resultado, e não de meio. Tanto é assim que o não atingimento desse resultado (ou das metas estipuladas), desde que ocasionados por culpa da concessionária, poderá, após o devido processo administrativo, acarretar a caducidade do Contrato (art. 38 da Lei 8.987/95).

Esse mesmo entendimento vem sendo defendido há tempos pela doutrina: “Na prestação do serviço concedido, não basta à concessionária empregar na atividade ‘a diligência do bom pai de família’, na expressão do civilista italiano Alberto Trabucchi. Deve ser atingido o objetivo da concessão, o que somente ocorre quando a concessionária presta ao usuário ‘serviço adequado’, durante todo o prazo de duração do contrato. É o que caracteriza a concessão como um contrato de resultado, e não de meios.[2]

A relação entre o grau de vinculação dos projetos e estudos de viabilidade da concessão e a repartição de riscos do contrato

Em sendo um contrato de resultado, verifica-se pouco eficiente ou até mesmo equivocado considerar as soluções técnicas idealizadas como sendo vinculantes, uma vez que o grau de vinculação do projeto (ou dos estudos) impacta diretamente na matriz de riscos da concessão. Não por outra razão, a legislação de regência afastou a necessidade de elaboração prévia de projeto básico para a outorga de concessões (cf. item ‘c’, abaixo).

Em outras palavras, quanto maior a vinculação dos estudos e das premissas técnicas, maior será a transferência de riscos ao Poder Público pela adequação técnica dos estudos que disponibilizou.

Caso as soluções técnicas pensadas para atingir o resultado do projeto sejam vinculantes, o parceiro privado terá de segui-las à risca. Nessa hipótese, em se verificando que os investimentos inicialmente previstos não se mostram adequados para o atingimento das metas ajustadas em contrato, a concessionária poderá alegar erro nessas premissas – o que dará margem a pleitos de reequilíbrio contratual.

De outro lado, se as premissas técnicas apresentadas pelo Poder Público são meramente indicativas/referenciais, então os riscos ordinários do projeto (e de seus custos) deverão ser do parceiro privado – sendo dele, inclusive, a responsabilidade por corrigir eventuais erros ou falhas, sem qualquer custo para o Poder Público.[3]

Afinal, o que reduz a chance de pedidos oportunistas de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro é justamente a alocação eficiente dos riscos do projeto e obras.[4]

A desnecessidade de elaboração de projeto básico para licitar projetos de concessões e PPPs

Pelo regime de contratações comuns previsto na Lei Federal de Licitações (“Lei nº 8.666/93”) exige-se, como requisito obrigatório para a publicação de instrumento convocatório, a elaboração de projeto básico (art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93).[5]

O projeto básico deve conter um detalhamento significativo dos aspectos financeiros do serviço ou obra a ser contratada pela Administração Pública, sendo constituído por uma exauriente relação dos materiais, bens e equipamentos a serem utilizados para a consecução do contrato administrativo, inclusive por meio do detalhamento de (i) custos e preços unitários e (ii) Benefícios e Despesas Indiretas – BDI.

No contexto da Lei nº 8.666/93, o projeto básico é de extrema relevância, haja vista a necessidade de adequada caracterização do objeto contratado, sua precificação para fins de reserva orçamentária e, ainda, indicação aos contratados acerca dos preços máximos admitidos pela Administração Pública para a contratação pretendida, de modo a balizar as propostas ofertadas.

Nos contratos de concessão a lógica é manifestamente diferente.

Pela Lei 8.987/95 (art. 18, inciso XV), a licitação para outorga de concessões deverá ser antecedida de “elementos de projeto básico”. Já a Lei Federal de PPP dispõe que os “estudos de engenharia para a definição do valor do investimento da PPP deverão ter nível de detalhamento de anteprojeto, e o valor dos investimentos para definição do preço de referência para a licitação será calculado com base em valores de mercado considerando o custo global de obras semelhantes no Brasil ou no exterior ou com base em sistemas de custos que utilizem como insumo valores de mercado do setor específico do projeto, aferidos, em qualquer caso, mediante orçamento sintético, elaborado por meio de metodologia expedita ou paramétrica” (art. 10, §4º).

Considerando que não existe um conceito de “elementos de projeto básico”, seguimos o entendimento de que “elementos de projeto básico” é qualquer coisa menos detalhada que o projeto básico.[6]

A desnecessidade de elaboração de projeto básico para licitar contratos de concessão ou PPP decorre das seguintes razões: nas concessões, deve prevalecer a autonomia gerencial do concessionário para identificar, consoante as diretrizes mínimas e mandatórias estipuladas no instrumento contratual, a melhor forma de implementar a infraestrutura contratada e prestar os serviços concedidos.

Ou seja: a concessão implica maior transferência dos riscos ao privado pela construção e gestão do empreendimento, incluindo a confecção de projetos de engenharia e a qualidade de sua respectiva implantação para a prestação dos serviços concedidos. A lógica, aqui, está em deslocar ao parceiro privado certa responsabilidade pela confecção dos aspectos mais específicos do projeto, visto ser ele quem deverá arcar com os riscos inerentes à execução e exploração do empreendimento.[7]

Nesse contexto, mostra-se fundamental que as modelagens de concessões e PPPs reflitam a natureza de resultado desses contratos e, considerando as peculiaridades de cada setor, aloquem da forma mais adequada e eficiente possível os riscos do empreendimento.


[1] Lembrando que, preservada equação econômico-financeira do contrato, as metas podem ser justadas ao longo da relação contratual, sempre na ideia de se atingir a finalidade da delegação, que é a disponibilização de um serviço adequado.

[2] AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. A Concessão de Serviço Público como “Contrato de Resultado”. Disponível em: <http://celc.com.br/wp-content/uploads/2015/08/C-206-A-Concess%C3%A3o-de-Servi%C3%A7o-P%C3%BAblico-como-Contrato-de-Resultado-20.08-2015.pdf>. Acesso em: 20 de outubro de 2020.

[3] RIBEIRO. Maurício Portugal. Concessões e PPPs (Melhores Práticas em Licitações e Contratos), São Paulo: Ed. Atlas, 2011, p. 45.

[4] Ob. Cit., p. 45.

[5] IX – Projeto Básico – conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:

a) desenvolvimento da solução escolhida de forma a fornecer visão global da obra e identificar todos os seus elementos constitutivos com clareza;

b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a minimizar a necessidade de reformulação ou de variantes durante as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e montagem;

c) identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como suas especificações que assegurem os melhores resultados para o empreendimento, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

d) informações que possibilitem o estudo e a dedução de métodos construtivos, instalações provisórias e condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendendo a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso;

f) orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados;

[6] RIBEIRO. Maurício Portugal. Concessões e PPPs (Melhores Práticas em Licitações e Contratos), São Paulo: Ed. Atlas, 2011, p. 43.

[7] GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Parceria Público Privada. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 173.

Artigo originalmente publicado no Portal Jota, em 12.11.2020.

Senado aprova MP que dispõe sobre a participação da União em projetos de concessões e PPPs

Em sessão Deliberativa Extraordinária do dia 22/11/2017, o Senado Federal aprovou a Medida Provisória 786/17 (“Medida Provisória” ou “MP”), na forma do Projeto de Lei de Conversão – PLV 32, de 2017 (“PLV 32”), que dispõe sobre a participação da União em fundo de apoio à estruturação e ao desenvolvimento de projetos de concessões e parcerias público-privadas e sobre a transferência obrigatória de recursos financeiros para a execução pelos Estados, Distrito Federal e Municípios de ações do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, autorizando o Poder Executivo a a criar a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias S.A. – ABGF. Sendo assim, o PLV 32 aguarda, no momento, a sanção Presidencial.

A aprovação da MP reforça a intenção do Governo em manter seus esforços no desenvolvimento e financiamento de novos projetos de infraestrutura. Isso porque, pelo PLV 32, a União se manteve autorizada a participar de fundo que tenha por finalidade exclusiva financiar serviços técnicos profissionais com o objetivo de apoiar a estruturação e o desenvolvimento de projetos de concessão e PPPs da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, até o limite de R$ 180 milhões.

De modo a viabilizar e incentivar a estruturação de projetos nas regiões mais deficitárias do país, o PLV 32 (mantendo o texto da MP) estipula que até 40%, dos R$ 180 milhões acima referidos, serão preferencialmente utilizados em projetos nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

O fundo, além de ser administrado e representado por instituição financeira controlada direta ou indiretamente pela União, não terá personalidade jurídica própria, assumirá natureza jurídica privada e patrimônio segregado do patrimônio dos cotistas e da instituição administradora.

O patrimônio do fundo será constituído:

I – pela integralização de cotas;

II – pelas doações de estados estrangeiros, organismos internacionais e multilaterais;

III – pelos reembolsos dos valores despendidos pelo agente administrador na contratação dos serviços;

IV – pelo resultado das aplicações financeiras dos seus recursos; e

V – pelos recursos derivados de alienação de bens e direitos, ou de publicações, material técnico, dados e informações.

A contratação dos estudos técnicos obedecerão aos critérios estabelecidos pela instituição administradora e serão realizadas na forma estabelecida na Lei nº 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias.

Nossa equipe está à inteira disposição para prestar maiores informações a respeito do tema, através do e-mail mail@gnetoadv.com.br.