Revisão da convenção de arbitragem da CCEE: perspectivas e debates

Revisão da convenção de arbitragem da CCEE: perspectivas e debates

Por Camillo Giamundo e Joaquim Melo de Queiroz

Recentemente, os agentes da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica aprovaram a revisão da convenção de arbitragem, documento que regula as regras para a utilização da arbitragem como mecanismo de solução de determinadas disputas. As novas regras atualizam a Convenção Arbitral da CCEE que vigorava desde 2007 e trazem modificações positivas e pontos que merecem avaliação, especialmente no atual cenário de expansão do setor.

É inegável que o setor de energia elétrica vivencia uma euforia. Há uma multiplicação de projetos de geração de energia de fontes renováveis, em boa parte voltados ao atendimento de grandes consumidores que integram a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Este fenômeno se intensificou a partir de 2016, quando se iniciou uma expressiva migração de grandes empresas para o denominado Mercado Livre (Ambiente de Contratação Livre). Neste ambiente, as empresas podem formalizar contratos de compra e venda de energia elétrica diretamente com geradores e agentes comercializadores, desfrutando de maior liberdade para estabelecer volumes, preços, prazos e outras condições comerciais para o seu suprimento. A tendência é que este movimento se intensifique. E a aceleração da transição energética, com a migração de matrizes energéticas estruturadas em fontes de combustíveis fósseis para fontes renováveis, desempenha papel importante nesta mudança.

Nesse cenário de ampliação do número de agentes, espera-se uma majoração natural do número de disputas entre eles e, consequentemente, do número de procedimentos arbitrais. A lógica é cartesiana: quanto maior a quantidade de agentes e de relações contratuais, maior o número de potenciais disputas. Nesta conjuntura, a revisão da Convenção de Arbitragem da CCEE vem em boa hora.

Em 19 de outubro de 2021, foi realizada a 68ª Assembleia Geral Extraordinária da CCEE [1]. Dentre os temas deliberados constou a revisão da Convenção de Arbitragem.

Um grupo de trabalho formado pela CCEE e representantes de todas as associações do setor dedicou-se, desde 2017, a avaliar os principais pontos que demandariam a atualização da convenção arbitral.

O diagnóstico realizado pelo grupo de trabalho apontou quatro eixos principais que justificavam a revisão da norma:

“(I) A falta de competividade entre as Câmaras, dada a atual exclusividade da Câmara da Fundação Getúlio Vargas (FGV);

(II) A possível afetação do mercado decorrente de decisões arbitrais proferidas em processos com questões bilaterais;

(III) A necessidade de consolidar a regra já adotada que fixa as hipóteses em que não se aplica a Convenção Arbitral, decorrentes da própria Convenção de Comercialização (instituída pela Resolução Normativa Aneel nº. 109/2004 e revogada recentemente pela Resolução Normativa Aneel nº 957/2021); e
(IV) Aprimoramentos decorrentes da própria evolução do mercado e da experiência alcançada desde a entrada em vigor da atual Convenção Arbitral.”

A partir desta radiografia, foram indicadas as principais modificações propostas para o novo texto da Convenção Arbitral:

“(I) Pluralidade de Câmaras: elaborou-se uma cláusula em que se previu a possibilidade de os agentes escolherem qualquer Câmara Arbitral que esteja previamente homologada pela CCEE, criando-se competitividade entre Câmaras e flexibilidade operacional para os agentes. Desta forma, após aprovação, será criado um procedimento para a homologação e desabilitação das Câmaras Arbitrais, com a colaboração do mesmo grupo de trabalho que participou da elaboração da nova proposta. O procedimento de homologação/desabilitação será aprovado no âmbito da CCEE e tornado público, sem necessidade de passar por nova Assembleia;
(II) Conflitos arbitráveis: são aqueles definidos na Convenção de Comercialização. A atual Convenção Arbitral replica o texto da Convenção de Comercialização. A proposta de alteração sugere a mera remissão à Convenção de Comercialização, evitando-se que eventual alteração tenha que ser integralmente reproduzida na Convenção Arbitral;
(III) Exceção à via arbitral para solucionar conflitos bilaterais: a alteração proposta tem como objetivo o aprimoramento do texto vigente uma vez que a redação atual deixava os agentes em dúvida quanto a esta exceção. O texto foi aprimorado para esclarecer que a Convenção Arbitral não se aplica aos conflitos bilaterais que não afetam direitos de terceiros e, por consequência, não repercutem nas operações da CCEE;
(IV) Exceção à via arbitral para cobrança, pela CCEE, de valores inadimplidos, inclusive penalidades: alterou-se a Convenção Arbitral para consolidar essa regra já adotada pela CCEE. Os dispositivos inseridos ratificam a utilização da via judicial pela CCEE para cobrança de valores inadimplidos por agentes ou não agentes, inclusive penalidades;
(V) Mecanismo de Proteção ao Mercado: propõe-se mecanismo apto a garantir que o Tribunal Arbitral exija garantias das partes em relação aos efeitos financeiros das decisões arbitrais que afetem terceiros. A proposta permite à CCEE requerer ao Tribunal Arbitral a prestação de garantias idôneas nos casos em que a operacionalização da decisão venha a impactar outros agentes que não estejam envolvidos no conflito;
(VI) Suspeição de árbitros e prazo de quarentena: buscou-se ampliar o rol de potenciais árbitros a serem selecionados, com a alteração das hipóteses de impedimento por suspeição. A sugestão de modificação permite que os critérios de afastamento dos árbitros sejam analisados pelas partes, as quais poderão recusar ou consentir com a indicação do árbitro diante da revelação efetuada. Em relação a ex-prestador de serviço, ex-colaborador e ex-consultor de umas das partes, o prazo da quarentena será reduzido de dois anos para seis meses;
(VII) Divulgação de banco de jurisprudência: com o objetivo de dar previsibilidade sobre as decisões arbitrais, a alteração propõe criar repositório público de ementas por parte das Câmaras Arbitrais, respeitando a confidencialidade das partes envolvidas; e
(VIII) Regras de transição: a inserção de cláusulas específicas sobre a vigência da Convenção Arbitral a partir da homologação pela Aneel. Além disso, também é reforçada em cláusula específica que a utilização da via judicial pela CCEE para cobrança de valores inadimplidos por agentes ou não agentes, inclusive penalidades, é a regra estabelecida desde a vigência da atual Convenção Arbitral e que é ratificada pela nova Convenção Arbitral”.

As alterações propostas convergem para temas candentes e atuais debatidos pela comunidade arbitral: publicidade de decisões, confidencialidade e dever de revelação do árbitro.

Especificamente em relação às disputas no setor de comercialização de energia elétrica, dois pontos demandam reflexão: a definição clara dos conflitos arbitráveis e as hipóteses de exceção à via arbitral.

A delimitação dos conflitos arbitráveis é disposta na cláusula 1ª da minuta da nova Convenção de Arbitragem:

“CLÁUSULA 1ª. Nos termos da legislação e regulamentação vigentes, são considerados conflitos (‘CONFLITOS’) passíveis de resolução através da Arbitragem aqueles definidos na Convenção de Comercialização vigente.”

A solução alvitrada é elegante, ao contornar a necessidade de contínua atualização da convenção de arbitragem, mas pode ensejar eventuais interpretações divergentes quanto ao seu efetivo alcance. Atualmente, os conflitos que devem ser objeto de solução pela via arbitral são elencados no artigo 44 da Resolução Normativa Aneel nº 957/2021:

“Artigo 44. Os Agentes da CCEE e a CCEE deverão dirimir, por intermédio da Câmara de Arbitragem, todos os conflitos que envolvam direitos disponíveis, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, nas seguintes hipóteses:
I – conflito entre dois ou mais Agentes da CCEE que não envolva assuntos sob a competência direta da Aneel ou, na hipótese de tratar, já tenha esgotado todas as instâncias administrativas acerca do objeto da questão em tela;
II – conflito entre um ou mais Agentes da CCEE e a CCEE que não envolva assuntos sob a competência direta da Aneel ou, na hipótese de tratar, já tenha esgotado todas as instâncias administrativas acerca do objeto da questão em tela; e
III – sem prejuízo do que dispõe cláusula específica nos CCEARs, conflito entre Agentes da CCEE decorrente de Contratos Bilaterais, desde que o fato gerador da divergência decorra dos respectivos contratos ou de Regras e Procedimentos de Comercialização e repercuta sobre as obrigações dos agentes contratantes no âmbito da CCEE”.

Diante do desenvolvimento do mercado, e maior complexidade de suas estruturas de controle, a definição objetiva das matérias arbitráveis pode vir a ensejar questionamentos. Um exemplo prático e atual: eventuais medidas preventivas para mitigação de riscos de inadimplência, conforme proposta recentemente apresentada pela CCEE [2], estariam sujeitas à discussão pela via arbitral? Esta é uma questão a ser ponderada, inclusive em razão da Estrutura de Salvaguardas Financeiras com mecanismos mitigadores de perdas decorrentes da inadimplência no Mercado de Curto Prazo, também proposta na aludida Nota Técnica da CCEE. A conformação destas estruturas propostas poderia gerar questionamento acerca do que efetivamente deveria ser objeto de escrutínio pela via arbitral.

De outra parte, a precisa delimitação do fato gerador para o enquadramento dos conflitos previstos no inciso III do artigo 44 da REN 957/2021 poderia deflagrar interpretações dissonantes, especialmente em situações em que convém ao requerido postergar a decisão sobre o conflito.

De todo modo, e a despeito de questionamentos que possam surgir, caberá sempre ao tribunal arbitral realizar esta avaliação, em consonância com o princípio kompetenz-kompetenz, referendado inclusive em recente precedente do Superior Tribunal de Justiça [3]. Em relação à exceção à via arbitral nas demandas propostas pela CCEE, em que se exija o pagamento de valores inadimplidos de agentes, deve ser avaliada se de fato esta seria a solução mais adequada:

“Parágrafo 3º. Esta CONVENÇÃO não se aplica às demandas em que a CCEE exija valores inadimplidos de agentes ou não agentes, incluindo penalidades, as quais são promovidas exclusivamente perante o Poder Judiciário”.

A justificativa para esta exceção encontra-se disposta no parágrafo 4° da cláusula 1ª:

“Parágrafo 4º. Com base no artigo 113, §2º, e no artigo 421-A, I, Código Civil, as partes declaram que a CCEE, ao exigir valores inadimplidos, age na condição de substituta processual da coletividade, com base nos artigos 18, Código de Processo Civil, artigo 4º, Lei n. 10.848/2004, artigo 2º, VII, do Decreto 5.177/2004, artigo 3º do Decreto 5.163/2004; artigo 2º, §2º, da Resolução Normativa/ANEEL 545/2013; em razão disso, as respectivas ações serão propostas perante o Poder Judiciário”.

Em primeiro lugar, há uma possível incongruência nesta sistemática tendo em vista que a inadimplência de um determinado agente ocasionaria justamente efeitos às operações da CCEE, o que atrairia a incidência da regra prevista no parágrafo 1ª da cláusula 1ª, reafirmando a jurisdição arbitral para a solução do conflito:

“Parágrafo 1º. Esta CONVENÇÃO não se aplica a conflitos entre Agentes da CCEE, decorrentes de contratos bilaterais, que não afetem direitos de terceiros estranhos ao negócio jurídico objeto do conflito e, por consequência, não repercutem nas operações da CCEE”.

Em segundo lugar, em razão dos predicados inerentes à arbitragem, a resolução de disputas dessa natureza pelo procedimento arbitral poderia permitir maior celeridade para a ulterior recuperação de eventual crédito dos agentes impactados, caso confirmado pelo tribunal arbitral (ainda que sua satisfação dependa de posterior cumprimento de sentença arbitral).

Por fim, o fato de a CCEE figurar como substituta processual dos demais agentes credores (caso assim se repute a sua atuação [4]), ou mesmo como representante processual, não a impediria, a priori, de formular o requerimento de instauração do procedimento arbitral em seu próprio nome, desde que expressamente autorizada por eles.

Esta é uma questão delicada e que, de certa forma, se correlaciona com a necessidade de aprimoramento da sistemática de negative option usualmente empregada pela CCEE. De acordo com este procedimento, a CCEE encaminha aos agentes impactados comunicado solicitando a manifestação quanto ao seu desinteresse em ser representado pela Câmara em futura demanda de cobrança. Em caso de ausência de resposta do agente, é presumida a outorga de autorização à CCEE para representá-lo.

Existem questionamentos quanto a este formato sob o fundamento de que a CCEE poderia representar os agentes apenas nas hipóteses de manifestação expressa, e positiva, de seu associado conferindo-lhe poderes para tanto.

De outra parte, argumenta-se que a legitimidade da CCEE estaria escorada nos dispositivos assinalados no parágrafo 4° da cláusula 1ª da minuta da Convenção de Arbitragem.

De todo modo, cabe a reflexão quanto à possibilidade de modificação da Convenção de Arbitragem para que a CCEE promova a cobrança, em nome de seus associados, por meio de procedimento arbitral, sobretudo diante da celeridade deste mecanismo de solução de disputas.

Em suma, as propostas de atualização da Convenção de Arbitragem da CCEE são positivas e devem ser louvadas. Dentre elas, destaca-se a possibilidade de utilização de outras Câmaras, o que ampliará a autonomia dos agentes diante de maior número de opções. Deve ser saudada ainda a proposta de instituição de um repositório de precedentes, o que conferirá maior segurança jurídica aos agentes em suas tomadas de decisões, na medida em que poderão mapear melhor a orientação das Câmaras sobre determinados conflitos do setor.

Por fim, cabe assinalar que proposta de atualização da Convenção de Arbitragem encontra-se atualmente em análise pela Aneel. Espera-se que a sua homologação ocorra de forma célere, especialmente diante da corrida para a implementação de novas usinas de geração de fontes renováveis, deflagrada pela janela regulatória aberta pela Lei nº 14.120/2021. Estes empreendimentos são em boa parte financiados por contratos de comercialização de energia elétrica (Power Purchase Agreements — PPAs). Há, portanto, a possibilidade de expressivo número de conflitos em breve, vinculados a estes contratos. Seria recomendável que a nova Convenção de Arbitragem já estivesse em vigor para disciplinar estas disputas.

NOTAS
[1] https://www.ccee.org.br/documents/80415/919507/ATA%2068%C2%AA%20AGE_19_10_2021.pdf/995a9de2-5757-1afa-e32e-d8cf6a8b0e2d
[2] Conforme a Nota Técnica NT CCEE 06735/2021, de 16 de dezembro de 2021:
https://www.ccee.org.br/documents/80415/919440/Nota%20T%C3%A9cnica%20CCEE%20-%20CCEE06735-2021_site.pdf/79bd0de3-916b-c75b-e545-0b8ecc709144
[3] https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=140974127&registro_numero=201800037380&peticao_numero=201900612834&publicacao_data=20211210&formato=PDF
[4] Existe divergência quanto à atuação da CCEE como substituta processual de seus associados, conforme decisões proferidas no Recurso Especial nº 1.511.140/PR: https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=123096605&registro_numero=201500083740&peticao_numero=202000345744&publicacao_data=20210318&formato=PDF

Revista Consultor Jurídico, 13 de abril de 2022

Publicado originalmente na Revista Consultor Jurídico

A arbitragem em 2021: ações anulatórias representam um enfraquecimento do sistema arbitral ou uma decorrência natural do instituto?

por Camillo Giamundo e Gabriela Soeltl

O ano de 2021 pode, certamente, ser considerado um ano desafiador para a arbitragem, enquanto meio alternativo à solução de conflitos. Pontualmente, nos deparávamos com notícias de anulação de sentenças arbitrais pelo Poder Judiciário, fato que, nos últimos anos, acendeu um sinal de alerta para uma possível crise do instituto.

A constatação de que a arbitragem passa por uma reanálise no sistema jurídico brasileiro, para alguns especialistas, foi confirmada em meados deste ano, quando a Arbipedia divulgou um relatório que apontou que 19% das sentenças arbitrais questionadas no Poder Judiciário foram anuladas. Pelo levantamento, também foi revelado um aumento no número de decisões em ações anulatórias na segunda instância nos últimos dois anos, ou seja, em 2019 e 2020, o número de acórdãos foi quase 90% superior à média dos três anos anteriores.

Logo quando divulgado, o estudo dividiu opiniões entre os profissionais da área, que se posicionaram em, ao menos, dois sentidos: (i) o percentual é inexpressivo, considerando, especialmente, que as ações anulatórias estão previstas na Lei Federal nº 9.307/1996, sendo, portanto, parte do sistema arbitral, o que não pode ser confundido como uma tentativa de enfraquecimento do instituto; e (ii) o percentual de 19% é inaceitável, pois, pela regra legal, as decisões arbitrais são imunes à revisão pelo Poder Judiciário.

Tendo uma perspectiva global, o levantamento não trouxe um detalhamento dos motivos pelos quais, por exemplo, o mérito da sentença arbitral é revisitado pelo Poder Judiciário ou quais foram as hipóteses de anulação mais acionadas pelos litigantes. Mesmo assim, embora previstas na Lei Federal nº 9.307/1996 e necessárias à legitimidade do sistema, o controle de validade da decisão arbitral deve ter o seu limite no rol do art. 32 do mesmo diploma, que estabelece as claras circunstâncias de nulidade da sentença arbitral.

O principal receio em relação às ações anulatórias previstas na Lei Federal nº 9.307/1996 é o uso indiscriminado de sua finalidade, com o intuito de utilizar o Poder Judiciário como instância recursal. Nessa hipótese, em que somente o inconformismo é o motor do interesse processual, não há como repensar o papel excepcional do Judiciário no próprio fortalecimento do instituto.

A opção legislativa é de que as sentenças arbitrais podem ser reverenciadas pelo Poder Judiciário, e cabendo a anulação, apenas nos limites estabelecidos pelo art. 32 e pelos princípios previstos no art. 21, §2º, da LARB. No último caso, impõe-se a necessária qualificação jurídica do princípio violado, impedindo que conceitos indeterminados/abstratos e tão fluídos no ordenamento jurídico consigam promover a anulação de uma sentença motivadamente proferida e, pior, substituir a soberania do tribunal arbitral para aplicar o direito no caso concreto.

Sob essa ótica, as ações anulatórias de sentenças arbitrais devem ser repensadas a partir da defesa do instituto não só pelos árbitros e pelas partes, mas, inclusive, pelo próprio Poder Judiciário, a quem cabe uma atuação pontual e dentro dos limites previstos pela lei, sob pena de contribuir com o sério descrédito da arbitragem, notadamente em relação à segurança jurídica do sistema arbitral, possível de ser avaliada por outros fundamentos.

Isso porque, a arbitragem é um sistema consolidado no mundo todo e representa um mecanismo eficiente de solução de conflitos. Quando o Judiciário não cumpre o seu papel e intervém no mérito de uma decisão sem qualquer indício de teratologia e desconformidade com a lei, contribui para o enfraquecimento do instituto, colocando em dúvida a sua validade jurídica, além da confiança no sistema arbitral brasileiro, com repercussões para além das partes litigantes.

Mais: abre-se brecha para que a controvérsia, até então resolvida pelo mecanismo eleito pelas partes, seja alimentada pela cultura do litígio. Aqui, também é preciso destacar o papel das partes, advogados, árbitros e juízes, em relação aos limites de uma ação anulatória de sentença arbitral. É preciso que exista o efetivo compromisso e ciência de que, escolhida a arbitragem, não cabe recurso ao Poder Judiciário, sendo a ação anulatória uma exceção que só será manejada nas específicas hipóteses previstas pelo legislador.

Nesse sentido, garantir que a ação anulatória seja tratada como exceção, também é uma forma de proteger a autonomia da vontade das partes ao decidirem que o litígio será submetido à arbitragem e não ao Judiciário. A intervenção deste Poder para além do previsto pela lei, tornando-se um verdadeiro reflexo de pretensões que queiram rediscutir decisões não favoráveis proferidas pelo tribunal arbitral, elimina essa autonomia, retirando o direito que determinada controvérsia seja resolvida pelo mecanismo mais conveniente.

A pesquisa realizada pela Arbipedia, divulgando que 19% das sentenças arbitrais questionadas no Judiciário Brasileiro foram efetivamente anuladas revela uma alta taxa de interferência no instituto da arbitragem.

Em um comparativo, a Justiça Inglesa divulgou, recentemente, relatório que revelou que nos anos de 2018 e 2019 foram julgados 73 processos questionando procedimentos arbitrais com base em alegações de ilegalidade ou irregularidade, sendo que em apenas três deles os pedidos foram considerados procedentes (4%).

Não se quer dizer que as ilegalidades eventualmente praticadas na arbitragem não possam ser revistas pelo Poder Judiciário. Muito pelo contrário, a ação anulatória é a via pensada justamente para esse fim e garantia. Contudo, certamente há uma parcela considerável, dentro desse alto percentual, de decisões anuladas e que se caracterizam como verdadeira revisão de mérito travestida de suposta ilegalidade ou inobservância aos princípios do instituto.

É justamente nesse ponto que se propõe a consciência e observância aos limites legalmente estipulados para o seu manejo, sob pena de gerar disfuncionalidades em seus objetivos. Trata-se de um compromisso que deve ser assegurado também pelo Poder Judiciário, garantindo que a autonomia das partes, a confiança no processo arbitral e a segurança jurídica de todo o sistema de arbitragem sejam reverenciadas por todos os atores envolvidos (partes, árbitros e juízes), visando o cumprimento das finalidades do processo arbitral, bem como o seu efetivo funcionamento como solução alternativa às demandas judiciais.

Espera-se que, nos próximos anos, a arbitragem se fortaleça e os percentuais de sentenças anuladas pelo Poder Judiciário sejam fiéis e restritos aos casos efetivamente maculados por ilegalidades.

A arbitragem no ano da pandemia: a necessidade de se adaptar à realidade virtual

por Camillo Giamundo

Definitivamente, 2020 será lembrado como o ano em que os profissionais do Direito tiveram de repensar sua atuação, os procedimentos, a relação com o cliente e a relação com os julgadores de seus processos.

Afinal, pertencendo à área das ciências sociais aplicadas, o Direito é a pura relação e contato entre os indivíduos, públicos e privados, pessoas físicas e jurídicas, de modo que o necessário distanciamento social nos forçou a repensar a forma como praticamos nosso ofício e a adotar alternativas para as atividades corriqueiras e ordinárias.

De repente, as reuniões de equipe e com clientes, as audiências de instrução e julgamento, oitivas de testemunhas, despachos com juízes e tratativas com as partes contrárias não podiam mais ocorrer presencialmente. De forma obrigatória, tivemos de adotar a tecnologia para a prática de atos comuns da profissão.

Até o início do ano, “zoom” e “team” eram apenas substantivos em inglês que não traziam outro significado senão aquele literal da língua estrangeira. Hoje, eles representam nosso ambiente virtual de encontro e de trabalho, nossas salas de reunião e, para os que são da prática contenciosa, a sala de audiência, tornando-se tão rotineiros como os aplicativos de mensagens instantâneas e de e-mails, imprescindíveis no dia a dia profissional e pessoal de cada um.

Para quem atua em arbitragens, seja como árbitro ou como advogado, o ano de 2020 foi exatamente assim. Com a suspensão das atividades presenciais da maioria das empresas e das Câmaras Arbitrais, em meados de março, os Tribunais e as partes litigantes se viram num dilema: adotar a suspensão de prazos, tal como feita pelo Poder Judiciário, e aguardar até que tudo se normalizasse, ou prosseguir com os processos arbitrais, esforçando-se para minimizar os impactos da pandemia nas disputas já em curso.

Vale rememorar que a Lei de Arbitragem sempre teve como objetivo trazer flexibilidade e afastar o rigor e a rigidez nas causas submetidas a seu procedimento, característicos – e tão criticados – em um processo estatal. E diante de uma pandemia inédita para a nossa geração, e impensável para os dias atuais, jamais poderíamos imaginar que o “novo” e estranho normal perduraria o que tem perdurado, de modo que o que se viu, ao longo deste ano, foi que a maioria das Câmaras submeteu a decisão de suspensão ou continuidade das atividades aos próprios Tribunais Arbitrais e às partes, tendo muitos deles seguido pela manutenção dos processos, prazos e cronogramas, adaptando-se à nova realidade imposta.

Nesse sentido, apesar de raro em algumas arbitragens, o protocolo físico deu lugar ao protocolo eletrônico, auxiliando advogados e estagiários na organização das peças e documentos, facilitando também o trabalho dos árbitros e auxiliares dos tribunais, que têm à disposição todos os elementos, petições, documentos e provas de uma disputa a um clique, e contribuindo com a redução de impressões desnecessárias e o acúmulo exagerado de papéis que, hoje em dia, não faz mais sentido e vai contra as necessidades ecológicas que o mundo suplica, especialmente numa era digital.

Na parte de instrução e produção de provas, há uma certa dificuldade quando se trata de discussão complexa e profunda: as perícias e visitas técnicas, imprescindíveis em determinados casos, não têm ocorrido ou, quando ocorrem, podem se dar de maneira insatisfatória e incompleta, impactando no cronograma dos trabalhos técnicos e, consequentemente, na linha de tempo do processo arbitral. Ou seja, a virtualização da arbitragem, para esses casos, nem sempre se mostra positiva.

Quanto às audiências, muitas já eram realizadas de forma remota, especialmente as de termo e as de oitiva de testemunhas localizadas fora da sede da arbitragem. Contudo, e neste período pandêmico, viu-se a necessidade de também adotar, conforme a anuência das partes, a virtualização da audiência de instrução e julgamento, que não é ponto pacífico entre os colegas da área.

De fato, a audiência virtual representa uma grande economia de dinheiro e de tempo. De dinheiro porque as partes têm a vantagem de reduzirem os custos de locação de salas para a audiência e custos com transporte, hospedagem e demais despesas das diárias de todos os profissionais envolvidos no litígio. De tempo porque há, sem dúvida, um ganho a partir do não deslocamento de todos os envolvidos na arbitragem, especialmente na cidade de São Paulo, cujos transportes particular e público são intensos e a locomoção dificultosa, permitindo aos árbitros e advogados que utilizem apenas das horas efetivamente necessárias à concentração de suas atividades de preparação e condução dos trabalhos em audiência.

Não só aos atores das arbitragens, mas aos auxiliares também há uma indubitável vantagem: testemunhas e assistentes técnicos não precisam se deslocar e aguardar por horas para serem ouvidos por apenas alguns minutos. Ouvidos, podem retornar às suas atividades profissionais e pessoais, não inutilizando um dia inteiro para o ato do processo arbitral.

Por outro lado, é exatamente neste ponto que colegas da área trazem críticas com as quais concordamos: ao mesmo tempo em que há um inegável ganho a partir da ocorrência remota das audiências, perde-se na capacidade de os árbitros realizarem uma leitura mais realista dos depoentes, buscando a verdade, bem como de os próprios advogados das partes explorarem eventuais contradições em depoimentos, dificultando a exposição dos argumentos de defesa.

Embora presuma-se que as partes e procuradores ajam de boa-fé, com ética e transparência que se espera, não se pode assegurar as condições em que determinadas testemunhas ou auxiliares técnicos são ouvidos, o que pode prejudicar sensivelmente o deslinde de uma disputa.

Não se desconhece, ainda, que a linguagem corporal – prejudicada em uma videoconferência – é um dos pontos de extrema importância na avaliação dos depoimentos. Afinal, o que não é dito e o comportamento do inquirido são, muitas vezes, muito mais reveladores do que o que é expresso em palavras.

A solução, no entanto, parece ser a adoção de regras e condutas, pelos árbitros e advogados das partes, para tornar a oitiva mais eficiente possível, e evitar a contaminação por depoimentos dirigidos, ciência prévia e indevida de informações e documentos, entre outras questões.

Por último, e não menos importante, é que a nova realidade imposta às arbitragens também exige maior cuidado, por parte das Câmaras, árbitros e advogados, com informações e documentos sigilosos. A confidencialidade de todo o procedimento e da troca de arquivos, documentos e petições deve ser preocupação primordial de todos os partícipes de uma disputa, especialmente com o advento e vigência da nova Lei Geral de Proteção de Dados, que visa a segurança e atribui responsabilidade àqueles que cuidam e armazenam dados de terceiros.

O que se viu, até aqui, foram as alternativas e soluções encontradas pelos profissionais atuantes em arbitragem neste ano emblemático e desafiador, sendo possível afirmar que a prática jurídica não será mais a mesma. Porém, é certo que se pode garantir mecanismos e procedimentos seguros e confiáveis a todos os seus partícipes nos próximos anos.

É o que se espera.

Artigo originalmente publicado no Estadão, na coluna de Fausto Macedo, em 27.11.2020.

A autocomposição e a arbitragem nos litígios envolvendo a ANTT

Por Diogo Albaneze Gomes Ribeiro[1]

 

  1. Introdução

Em 17.05.2019, entrou em vigor a Resolução nº 5.845, de 14 de maio de 2019 (“Resolução nº 5.845/19”), que dispõe sobre as regras procedimentais para a utilização da autocomposição e da arbitragem nos litígios envolvendo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (“ANTT”) e seus regulados.

Referida Resolução busca facilitar e fortalecer a utilização de mecanismos alternativos de solução de controvérsias em contratos envolvendo a ANTT. Para tanto, a Resolução nº 5.845/19 procurou deixar consignado não apenas as matérias passíveis de serem submetidas à autocomposição e/ou à arbitragem, mas também o próprio procedimento para a sua instauração, incluindo, dentre outros aspectos, a sistemática de pagamento de custas, escolha de árbitros, mediadores e da própria Câmara Arbitral.

 

  1. Os direitos patrimoniais disponíveis reconhecidos pela Resolução nº 5.845/19

Sem prejuízo de outras matérias a serem avaliadas no caso concreto, a Resolução nº 5.845/19 deixou consignado que as seguintes discussões poderão ser submetidas à autocomposição e/ou à arbitragem.

  • recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos;
  • indenizações decorrentes da extinção ou transferência do Contrato;
  • penalidades contratuais e seu cálculo, bem como controvérsias advindas da execução de garantias;
  • processo de relicitação do contrato nas questões que envolvam o cálculo das indenizações pelo órgão ou pela entidade competente; e
  • inadimplemento de obrigações contratuais por qualquer das partes.

Por outro lado, assuntos relacionados, por exemplo, ao poder de fiscalização sobre a exploração do serviço delegado e a pedidos de rescisão de contrato por parte da Concessionária foram expressamente excluídos da possibilidade de serem submetidos ao procedimento de Solução de Controvérsias (art. 3º).

 

  1. O processo de mediação

Nos termos da Resolução nº 5.845/19, o processo de mediação, além de ser facultativo, deverá ser conduzido pela Advocacia Geral da União, nos termos do art. 32 da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015 (art. 8º).

O pedido de instauração da mediação será autuado e encaminhado à Superintendência de Processo Organizacional com competência sobre a matéria controversa para manifestação acerca da admissibilidade do pleito. Após instrução do pedido apresentado, os autos serão enviados à Diretoria Colegiada para decisão sobre a admissibilidade, a conveniência e a oportunidade de a ANTT participar da mediação.

Decidida a participação da ANTT, a Diretoria Colegiada indicará servidor como representante na mediação e delimitará seus poderes negociais. Eventual acordo firmado com a ANTT somente adquirirá validade caso venha a ser aprovado pela Diretoria Colegiada.

Não havendo acordo, a matéria em discussão poderá ser submetida à arbitragem, podendo as partes definir no termo final da mediação a celebração de compromisso arbitral.

 

  1. O processo de arbitragem

Um aspecto interessante da Resolução nº 5.845/19 foi prever expressamente a possibilidade de a ANTT celebrar compromisso arbitral mesmo nos casos em que não há cláusula compromissória no contrato em discussão.[2] Nesses casos, contudo, deverá a ANTT avaliar previamente, no caso concreto, as vantagens e desvantagens da arbitragem (quanto ao prazo para a solução do litígio, ao custo do procedimento e à natureza da questão litigiosa). Trata-se, portanto, de uma decisão discricionária da ANTT.

Nesse aspecto, a Resolução nº 5.845/19 apenas positivou (corretamente, na nossa visão) o entendimento jurisprudencial acerca da desnecessidade de previsão do compromisso arbitral no edital e/ou no contrato:[3]

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO. ARBITRAGEM. VINCULAÇÃO AO EDITAL. CLÁUSULA DE FORO. COMPROMISSO ARBITRAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO FINANCEIRO DO CONTRATO. POSSIBILIDADE.

(…)5.Tanto a doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas compromissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos.

6.O fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente.

7. previsão do juízo arbitral, em vez do foro da sede da administração (jurisdição estatal), para a solução de determinada controvérsia, não vulnera o conteúdo ou as regras do certame.

8. A cláusula de eleição de foro não é incompatível com o juízo arbitral, pois o âmbito de abrangência pode ser distinto, havendo necessidade de atuação do Poder Judiciário, por exemplo, para a concessão de medidas de urgência; execução da sentença arbitral; instituição da arbitragem quando uma das partes não a aceita de forma amigável.

9. A controvérsia estabelecida entre as partes – manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato – é de caráter eminentemente patrimonial e disponível, tanto assim que as partes poderiam tê-la solucionado diretamente, sem intervenção tanto da jurisdição estatal, como do juízo arbitral.

10.A submissão da controvérsia ao juízo arbitral foi um ato voluntário da concessionária. Nesse contexto, sua atitude posterior, visando à impugnação desse ato, beira às raias da má-fé, além de ser prejudicial ao próprio interesse público de ver resolvido o litígio de maneira mais célere.

11. Firmado o compromisso, é o Tribunal arbitral que deve solucionar a controvérsia.

12.Recurso especial não provido.

 

Outro aspecto trazido pela Resolução nº 5.845/19 foi o de estipular uma sistemática para a escolha das câmaras arbitrais. Nesse ponto, deixou consignado que que os contratos de outorga de serviços públicos e os compromissos arbitrais firmados pela ANTT deverão definir expressamente uma ou mais câmaras arbitrais dentre as credenciadas, nos termos do § 5º do art. 31 da Lei nº 13.448, de 05 de junho de 2017.[4]

Na hipótese de não ter sido previamente definida a câmara arbitral, a ANTT indicará três câmaras cadastradas em conformidade com decreto regulamentador do §5º do art. 31 da Lei nº 13.448/2017 (que estabelece as diretrizes gerais para prorrogação e relicitação dos contratos de parceria, nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública federal), sendo que caberá à parte privada a escolha de uma das câmaras indicadas.

 

  1. Pontos da Resolução nº 5.845/19 passíveis de questionamentos

 Um aspecto que poderá gerar questionamentos decorre da previsão contida no art. 4ª da Resolução nº 5.845/19, segundo a qual as controvérsias só poderão ser submetidas ao regramento descrito nesta Resolução após decisão definitiva da ANTT.

Pelo parágrafo único do referido dispositivo, considera-se definitiva a decisão administrativa quando dela não couber mais recurso. Em outras palavras, a Resolução pretende condicionar o início de eventual litígio arbitral a uma decisão administrativa definitiva da ANTT.

Em que pesem as diversas virtudes da Resolução nº 5.845/19, essa condicionante deve ser interpretada com cautela, sobretudo quando a matéria em discussão no âmbito administrativo não estiver submetida a recurso dotado de efeito suspensivo.

Afinal, considerando o princípio constitucional do livre acesso à justiça,[5] não parece haver justificativa para impedir a instauração da arbitragem, pela parte interessada, mesmo durante a tramitação do processo administrativo.[6]

“(…) MANDADO DE SEGURANÇA. DISCUSSÃO JUDICIAL DA MATÉRIA. RENÚNCIA PELA VIA ADMINISTRATIVA. RECURSO VOLUNTÁRIO SEGUIMENTO INDEFERIDO.

Segundo o princípio da unidade da jurisdição, havendo concomitância entre o objeto da discussão administrativa e o da lide judicial, tendo ambos origem em uma mesma relação jurídica de direito material, torna-se despicienda a defesa na via administrativa, uma vez que esta se subjuga ao versado naqueloutra, em face da preponderância do mérito pronunciado na instância judicial. Há uma espécie de renúncia tácita pelo processo administrativo, pois a continuidade do debate administrativa é incompatível com a opção pela ação judicial (preclusão lógica).”

 

Outro aspecto da Resolução que merece ser devidamente interprestado se refere à disposição contida no art. 17 da Resolução nº 5.845/19. Pelo referido dispositivo, “Antes da constituição do tribunal arbitral, as medidas cautelares ou de urgência somente poderão ser requeridas ao órgão competente do Poder Judiciário.”.

Essa exigência, a nosso ver, não observa a evolução e a prática mais moderna da arbitragem (que já vem sendo aplicada pelas principais Câmaras Arbitrais, inclusive) no sentido de instituir a figura do “Árbitro Provisório” ou “Árbitro de Emergência”.[7]

O “Árbitro Provisório” configura um procedimento segundo o qual, antes de instituída a arbitragem, a parte poderá requerer medidas cautelares ou de urgência no âmbito da própria Câmara Arbitral. Trata-se de tema absolutamente atual e que já vem sendo aplicado na prática (inclusive em litígios relacionados a contratos administrativos).

Sendo assim, com exceção de alguns aspectos que deverão ser devidamente interpretados à luz do ordenamento jurídico em vigor e das práticas mais atualizadas da arbitragem, parece-nos que a Resolução nº 5.845/19 possui a inequívoca virtude de facilitar e fortalecer a utilização de mecanismos alternativos de solução de conflitos nos contratos envolvendo a ANTT.

 

______________

[1] Advogado, especialista e mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP.

[2] Além disso, a Resolução nº 5.845/19 admitiu expressamente a possibilidade de aditar os contratos que não contenham a cláusula compromissória (art. 27).

 

[3] STJ – REsp 904813/PR, Ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª T., j. 20/10/2011, DJe 28/02/2012 – grifo nosso.

[4] Art. 31. As controvérsias surgidas em decorrência dos contratos nos setores de que trata esta Lei após decisão definitiva da autoridade competente, no que se refere aos direitos patrimoniais disponíveis, podem ser submetidas a arbitragem ou a outros mecanismos alternativos de solução de controvérsias.

(…)

  • 5º Ato do Poder Executivo regulamentará o credenciamento de câmaras arbitrais para os fins desta Lei.

[5] Art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”.

[6] STJ – Ag 1394327, Min. HUMBERTO MARTINS, j. 26/04/2011 – Grifo Nosso.

[7] Nesse contexto, por exemplo, a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem CIESP/FIESP, por meio da Resolução nº 4/2018, instituiu a figura do Requerimento de Árbitro Provisório, nos seguintes termos: “1.1. Antes de instituída a arbitragem nos termos do item 2.4 do Regulamento, a parte que pretenda medidas cautelares ou de urgência poderá requerer ao Presidente da Câmara, por meio de Requerimento de Árbitro Provisório (“Requerimento”) que nomeie uma árbitra ou um árbitro provisório (“Árbitro Provisório”), cuja missão será deliberar sobre a medida de urgência, a qual vigerá até que o Tribunal Arbitral decida sobre a matéria.

Arbitragem

Em maio, o escritório Giamundo Neto Advogados se associou ao Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr).  Criado em 2001, o Comitê é uma associação sem fins lucrativos, que tem como principal finalidade o estudo acadêmico da arbitragem e dos métodos não judiciais de solução de controvérsias. Para difundir e promover o instituto da arbitragem, o CBAr realiza Congressos e Seminários de nível nacional e internacional, além de publicar a Revista Brasileira de Arbitragem, pela Editora Kluwer.

Arbitragem

Em julho, o escritório Giamundo Neto Advogados se associou à Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio, Indústria e Agricultura, e o sócio Camillo Giamundo passou a integrar a lista de mediadores e árbitros da Câmara de Mediação e Arbitragem da ITALCAM.