Qual deve ser o nível de detalhamento e de vinculação dos projetos de concessões e PPPs?

por Diogo Albaneze Gomes Ribeiro

Uma questão que frequentemente gera questionamentos e dúvidas no âmbito das modelagens de concessões e parcerias público-privadas (PPPs) refere-se à vinculação dos Licitantes às premissas técnicas e de investimentos previstas nessas modelagens.

Até que ponto, por exemplo, as soluções técnicas ou o montante de investimentos previstos nas modelagens de concessões ou PPPs devem vincular as partes contratantes? Afinal, nesses contratos, a concessionária se obriga a realizar obras/investimentos nos exatos termos definidos pelo concedente, ou a cumprir metas de serviços (de qualidade, ampliação e universalização) e, para tanto, obriga-se a realizar os investimentos necessários para o atingimento dessas metas?

Portanto, qual deveria ser o nível de vinculação e de detalhamento dos projetos de concessão licitados pelo Poder Público?

A resposta a esses questionamentos exige uma correta compreensão da natureza desses contratos, bem como daquilo que se entende como sendo uma adequada repartição de riscos em cada caso concreto.

O necessário reconhecimento de que os contratos de concessão configuram um contrato de resultado

Pela Lei Federal de Concessões (Lei nº 8.987/95), a delegação da exploração de serviços pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários (art. 6º).

Serviço adequado, por sua vez, é aquele “que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas” (§1º do art. 6º da Lei 8.987/95). Em última análise, serviço adequado é aquele que cumpre as metas de serviço ajustadas em contrato.[1]

Disso se depreende que o contrato de concessão deve ser entendido como sendo um contrato de resultado, e não de meio. Tanto é assim que o não atingimento desse resultado (ou das metas estipuladas), desde que ocasionados por culpa da concessionária, poderá, após o devido processo administrativo, acarretar a caducidade do Contrato (art. 38 da Lei 8.987/95).

Esse mesmo entendimento vem sendo defendido há tempos pela doutrina: “Na prestação do serviço concedido, não basta à concessionária empregar na atividade ‘a diligência do bom pai de família’, na expressão do civilista italiano Alberto Trabucchi. Deve ser atingido o objetivo da concessão, o que somente ocorre quando a concessionária presta ao usuário ‘serviço adequado’, durante todo o prazo de duração do contrato. É o que caracteriza a concessão como um contrato de resultado, e não de meios.[2]

A relação entre o grau de vinculação dos projetos e estudos de viabilidade da concessão e a repartição de riscos do contrato

Em sendo um contrato de resultado, verifica-se pouco eficiente ou até mesmo equivocado considerar as soluções técnicas idealizadas como sendo vinculantes, uma vez que o grau de vinculação do projeto (ou dos estudos) impacta diretamente na matriz de riscos da concessão. Não por outra razão, a legislação de regência afastou a necessidade de elaboração prévia de projeto básico para a outorga de concessões (cf. item ‘c’, abaixo).

Em outras palavras, quanto maior a vinculação dos estudos e das premissas técnicas, maior será a transferência de riscos ao Poder Público pela adequação técnica dos estudos que disponibilizou.

Caso as soluções técnicas pensadas para atingir o resultado do projeto sejam vinculantes, o parceiro privado terá de segui-las à risca. Nessa hipótese, em se verificando que os investimentos inicialmente previstos não se mostram adequados para o atingimento das metas ajustadas em contrato, a concessionária poderá alegar erro nessas premissas – o que dará margem a pleitos de reequilíbrio contratual.

De outro lado, se as premissas técnicas apresentadas pelo Poder Público são meramente indicativas/referenciais, então os riscos ordinários do projeto (e de seus custos) deverão ser do parceiro privado – sendo dele, inclusive, a responsabilidade por corrigir eventuais erros ou falhas, sem qualquer custo para o Poder Público.[3]

Afinal, o que reduz a chance de pedidos oportunistas de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro é justamente a alocação eficiente dos riscos do projeto e obras.[4]

A desnecessidade de elaboração de projeto básico para licitar projetos de concessões e PPPs

Pelo regime de contratações comuns previsto na Lei Federal de Licitações (“Lei nº 8.666/93”) exige-se, como requisito obrigatório para a publicação de instrumento convocatório, a elaboração de projeto básico (art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/93).[5]

O projeto básico deve conter um detalhamento significativo dos aspectos financeiros do serviço ou obra a ser contratada pela Administração Pública, sendo constituído por uma exauriente relação dos materiais, bens e equipamentos a serem utilizados para a consecução do contrato administrativo, inclusive por meio do detalhamento de (i) custos e preços unitários e (ii) Benefícios e Despesas Indiretas – BDI.

No contexto da Lei nº 8.666/93, o projeto básico é de extrema relevância, haja vista a necessidade de adequada caracterização do objeto contratado, sua precificação para fins de reserva orçamentária e, ainda, indicação aos contratados acerca dos preços máximos admitidos pela Administração Pública para a contratação pretendida, de modo a balizar as propostas ofertadas.

Nos contratos de concessão a lógica é manifestamente diferente.

Pela Lei 8.987/95 (art. 18, inciso XV), a licitação para outorga de concessões deverá ser antecedida de “elementos de projeto básico”. Já a Lei Federal de PPP dispõe que os “estudos de engenharia para a definição do valor do investimento da PPP deverão ter nível de detalhamento de anteprojeto, e o valor dos investimentos para definição do preço de referência para a licitação será calculado com base em valores de mercado considerando o custo global de obras semelhantes no Brasil ou no exterior ou com base em sistemas de custos que utilizem como insumo valores de mercado do setor específico do projeto, aferidos, em qualquer caso, mediante orçamento sintético, elaborado por meio de metodologia expedita ou paramétrica” (art. 10, §4º).

Considerando que não existe um conceito de “elementos de projeto básico”, seguimos o entendimento de que “elementos de projeto básico” é qualquer coisa menos detalhada que o projeto básico.[6]

A desnecessidade de elaboração de projeto básico para licitar contratos de concessão ou PPP decorre das seguintes razões: nas concessões, deve prevalecer a autonomia gerencial do concessionário para identificar, consoante as diretrizes mínimas e mandatórias estipuladas no instrumento contratual, a melhor forma de implementar a infraestrutura contratada e prestar os serviços concedidos.

Ou seja: a concessão implica maior transferência dos riscos ao privado pela construção e gestão do empreendimento, incluindo a confecção de projetos de engenharia e a qualidade de sua respectiva implantação para a prestação dos serviços concedidos. A lógica, aqui, está em deslocar ao parceiro privado certa responsabilidade pela confecção dos aspectos mais específicos do projeto, visto ser ele quem deverá arcar com os riscos inerentes à execução e exploração do empreendimento.[7]

Nesse contexto, mostra-se fundamental que as modelagens de concessões e PPPs reflitam a natureza de resultado desses contratos e, considerando as peculiaridades de cada setor, aloquem da forma mais adequada e eficiente possível os riscos do empreendimento.


[1] Lembrando que, preservada equação econômico-financeira do contrato, as metas podem ser justadas ao longo da relação contratual, sempre na ideia de se atingir a finalidade da delegação, que é a disponibilização de um serviço adequado.

[2] AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. A Concessão de Serviço Público como “Contrato de Resultado”. Disponível em: <http://celc.com.br/wp-content/uploads/2015/08/C-206-A-Concess%C3%A3o-de-Servi%C3%A7o-P%C3%BAblico-como-Contrato-de-Resultado-20.08-2015.pdf>. Acesso em: 20 de outubro de 2020.

[3] RIBEIRO. Maurício Portugal. Concessões e PPPs (Melhores Práticas em Licitações e Contratos), São Paulo: Ed. Atlas, 2011, p. 45.

[4] Ob. Cit., p. 45.

[5] IX – Projeto Básico – conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:

a) desenvolvimento da solução escolhida de forma a fornecer visão global da obra e identificar todos os seus elementos constitutivos com clareza;

b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a minimizar a necessidade de reformulação ou de variantes durante as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e montagem;

c) identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como suas especificações que assegurem os melhores resultados para o empreendimento, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

d) informações que possibilitem o estudo e a dedução de métodos construtivos, instalações provisórias e condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendendo a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso;

f) orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados;

[6] RIBEIRO. Maurício Portugal. Concessões e PPPs (Melhores Práticas em Licitações e Contratos), São Paulo: Ed. Atlas, 2011, p. 43.

[7] GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Parceria Público Privada. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 173.

Artigo originalmente publicado no Portal Jota, em 12.11.2020.