por Camillo Giamundo

Definitivamente, 2020 será lembrado como o ano em que os profissionais do Direito tiveram de repensar sua atuação, os procedimentos, a relação com o cliente e a relação com os julgadores de seus processos.

Afinal, pertencendo à área das ciências sociais aplicadas, o Direito é a pura relação e contato entre os indivíduos, públicos e privados, pessoas físicas e jurídicas, de modo que o necessário distanciamento social nos forçou a repensar a forma como praticamos nosso ofício e a adotar alternativas para as atividades corriqueiras e ordinárias.

De repente, as reuniões de equipe e com clientes, as audiências de instrução e julgamento, oitivas de testemunhas, despachos com juízes e tratativas com as partes contrárias não podiam mais ocorrer presencialmente. De forma obrigatória, tivemos de adotar a tecnologia para a prática de atos comuns da profissão.

Até o início do ano, “zoom” e “team” eram apenas substantivos em inglês que não traziam outro significado senão aquele literal da língua estrangeira. Hoje, eles representam nosso ambiente virtual de encontro e de trabalho, nossas salas de reunião e, para os que são da prática contenciosa, a sala de audiência, tornando-se tão rotineiros como os aplicativos de mensagens instantâneas e de e-mails, imprescindíveis no dia a dia profissional e pessoal de cada um.

Para quem atua em arbitragens, seja como árbitro ou como advogado, o ano de 2020 foi exatamente assim. Com a suspensão das atividades presenciais da maioria das empresas e das Câmaras Arbitrais, em meados de março, os Tribunais e as partes litigantes se viram num dilema: adotar a suspensão de prazos, tal como feita pelo Poder Judiciário, e aguardar até que tudo se normalizasse, ou prosseguir com os processos arbitrais, esforçando-se para minimizar os impactos da pandemia nas disputas já em curso.

Vale rememorar que a Lei de Arbitragem sempre teve como objetivo trazer flexibilidade e afastar o rigor e a rigidez nas causas submetidas a seu procedimento, característicos – e tão criticados – em um processo estatal. E diante de uma pandemia inédita para a nossa geração, e impensável para os dias atuais, jamais poderíamos imaginar que o “novo” e estranho normal perduraria o que tem perdurado, de modo que o que se viu, ao longo deste ano, foi que a maioria das Câmaras submeteu a decisão de suspensão ou continuidade das atividades aos próprios Tribunais Arbitrais e às partes, tendo muitos deles seguido pela manutenção dos processos, prazos e cronogramas, adaptando-se à nova realidade imposta.

Nesse sentido, apesar de raro em algumas arbitragens, o protocolo físico deu lugar ao protocolo eletrônico, auxiliando advogados e estagiários na organização das peças e documentos, facilitando também o trabalho dos árbitros e auxiliares dos tribunais, que têm à disposição todos os elementos, petições, documentos e provas de uma disputa a um clique, e contribuindo com a redução de impressões desnecessárias e o acúmulo exagerado de papéis que, hoje em dia, não faz mais sentido e vai contra as necessidades ecológicas que o mundo suplica, especialmente numa era digital.

Na parte de instrução e produção de provas, há uma certa dificuldade quando se trata de discussão complexa e profunda: as perícias e visitas técnicas, imprescindíveis em determinados casos, não têm ocorrido ou, quando ocorrem, podem se dar de maneira insatisfatória e incompleta, impactando no cronograma dos trabalhos técnicos e, consequentemente, na linha de tempo do processo arbitral. Ou seja, a virtualização da arbitragem, para esses casos, nem sempre se mostra positiva.

Quanto às audiências, muitas já eram realizadas de forma remota, especialmente as de termo e as de oitiva de testemunhas localizadas fora da sede da arbitragem. Contudo, e neste período pandêmico, viu-se a necessidade de também adotar, conforme a anuência das partes, a virtualização da audiência de instrução e julgamento, que não é ponto pacífico entre os colegas da área.

De fato, a audiência virtual representa uma grande economia de dinheiro e de tempo. De dinheiro porque as partes têm a vantagem de reduzirem os custos de locação de salas para a audiência e custos com transporte, hospedagem e demais despesas das diárias de todos os profissionais envolvidos no litígio. De tempo porque há, sem dúvida, um ganho a partir do não deslocamento de todos os envolvidos na arbitragem, especialmente na cidade de São Paulo, cujos transportes particular e público são intensos e a locomoção dificultosa, permitindo aos árbitros e advogados que utilizem apenas das horas efetivamente necessárias à concentração de suas atividades de preparação e condução dos trabalhos em audiência.

Não só aos atores das arbitragens, mas aos auxiliares também há uma indubitável vantagem: testemunhas e assistentes técnicos não precisam se deslocar e aguardar por horas para serem ouvidos por apenas alguns minutos. Ouvidos, podem retornar às suas atividades profissionais e pessoais, não inutilizando um dia inteiro para o ato do processo arbitral.

Por outro lado, é exatamente neste ponto que colegas da área trazem críticas com as quais concordamos: ao mesmo tempo em que há um inegável ganho a partir da ocorrência remota das audiências, perde-se na capacidade de os árbitros realizarem uma leitura mais realista dos depoentes, buscando a verdade, bem como de os próprios advogados das partes explorarem eventuais contradições em depoimentos, dificultando a exposição dos argumentos de defesa.

Embora presuma-se que as partes e procuradores ajam de boa-fé, com ética e transparência que se espera, não se pode assegurar as condições em que determinadas testemunhas ou auxiliares técnicos são ouvidos, o que pode prejudicar sensivelmente o deslinde de uma disputa.

Não se desconhece, ainda, que a linguagem corporal – prejudicada em uma videoconferência – é um dos pontos de extrema importância na avaliação dos depoimentos. Afinal, o que não é dito e o comportamento do inquirido são, muitas vezes, muito mais reveladores do que o que é expresso em palavras.

A solução, no entanto, parece ser a adoção de regras e condutas, pelos árbitros e advogados das partes, para tornar a oitiva mais eficiente possível, e evitar a contaminação por depoimentos dirigidos, ciência prévia e indevida de informações e documentos, entre outras questões.

Por último, e não menos importante, é que a nova realidade imposta às arbitragens também exige maior cuidado, por parte das Câmaras, árbitros e advogados, com informações e documentos sigilosos. A confidencialidade de todo o procedimento e da troca de arquivos, documentos e petições deve ser preocupação primordial de todos os partícipes de uma disputa, especialmente com o advento e vigência da nova Lei Geral de Proteção de Dados, que visa a segurança e atribui responsabilidade àqueles que cuidam e armazenam dados de terceiros.

O que se viu, até aqui, foram as alternativas e soluções encontradas pelos profissionais atuantes em arbitragem neste ano emblemático e desafiador, sendo possível afirmar que a prática jurídica não será mais a mesma. Porém, é certo que se pode garantir mecanismos e procedimentos seguros e confiáveis a todos os seus partícipes nos próximos anos.

É o que se espera.

Artigo originalmente publicado no Estadão, na coluna de Fausto Macedo, em 27.11.2020.