Os brasileiros estão aprendendo a adaptar suas rotinas desde o início da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Com a Portaria nº 467 do Ministério da Saúde, publicada no final de março, e a Lei nº 13.989/20, do dia 16 de abril, mais uma prática foi alterada e encaixada nessa nova realidade: a medicina. O exercício da telemedicina foi liberado em caráter emergencial, enquanto durar a pandemia, para reduzir a circulação de pessoas e a exposição desnecessária ao vírus. Ainda que a telemedicina só possa atuar com algumas limitações, o atendimento seguirá os mesmos padrões das consultas presenciais.

A Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1.643/2002, que definia e disciplinava a prestação de serviços através da telemedicina, e que voltará a ser a legislação vigente após a pandemia, permitia apenas a interpretação de exames e emissão de laudos médicos a distância. “É possível perceber um grande avanço da telemedicina, mesmo que em caráter temporário. Houve uma flexibilização do que tínhamos anteriormente”, aponta Stephanie Monteiro, advogada especializada em Direito Médico.

Essa discussão já é antiga no País. Em 2019, foi publicada a Resolução nº 2.227/18, do CFM, que aprovava a realização de consultas a distância, mas, segundo a advogada, a norma causou polêmica, e algumas entidades médicas se posicionaram contra, o que gerou a revogação. “A telemedicina reconhecida em 2020 é inserida em um cenário que já entendia a necessidade de haver uma legislação mais completa e abrangente do que a resolução de 2002, que não acompanhou as mudanças tecnológicas da medicina e da comunicação.”

Assim como os padrões normativos e éticos, os aspectos jurídicos que assistem médicos e pacientes e garantem segurança são os mesmos do atendimento presencial. Para Mérces da Silva Nunes, advogada também especializada em Direito Médico, essa nova modalidade exige cuidado de ambas as partes para funcionar. “O médico deve cuidar para sempre informar o paciente sobre as limitações do atendimento a distância. Já o paciente deve buscar descrever os sintomas com a maior fidelidade possível, para que o médico chegue a um diagnóstico preciso”, explica. Para ela, o erro de diagnóstico é um dos maiores riscos.

Além desses tópicos, as questões acerca dos direitos trabalhistas também não sofrem alteração. Conforme o juiz substituto da 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, Guilherme da Rocha Zambrano, a nova norma não é novidade. “Para um médico empregado de um hospital, por exemplo, já havia a autorização expressa para o teletrabalho, desde a reforma trabalhista de 2017. Então é mais um esclarecimento de que é possível a utilização da telemedicina para maximizar a capacidade de atendimento.”

Especializado em Direito do Trabalho, o advogado Luiz Fernando Plens de Quevedo reconhece a falta de alterações expressivas e, ainda, atenta para o cuidado com a responsabilidade assumida na assistência aos pacientes. “É importante que o médico, independentemente da modalidade, preserve os registros das interações mantidas com pacientes e outros médicos, para preservar sua responsabilidade por eventuais eventos adversos.”

Zambrano também aponta os cuidados que os profissionais autônomos devem tomar. “O principal é a observância das regras da Portaria nº 467: registro adequado em prontuário clínico do atendimento realizado e validação das receitas e atestados por assinatura eletrônica – ou outro tipo de assinatura que seja aceita pelo destinatário.”

Ainda que o dispositivo da Lei nº 13.989/20, que previa a continuação da telemedicina pós-pandemia, tenha sido vetado, as especialistas em Direito Médico acreditam que a prática vai se popularizar. “Se o emprego da tecnologia chegar a lugares remotos, onde as pessoas são privadas do acesso à saúde, acredito que será uma forma de democratizar a saúde”, defende Mérces. “A telemedicina não vem para substituir a medicina convencional, sendo um mito que precisa ser afastado”, ressalta Stephanie.

 

Consulta a distância já é realidade

A Fácil Consulta, plataforma on-line que facilita o acesso e a marcação de consultas particulares, já implementou a telemedicina. Segundo o cofundador e diretor de Marketing da startup, Patrick Goulart, a maioria dos mais de 30 profissionais de saúde cadastrados no site já estão atendendo a distância.

O cofundador afirma que a procura tem sido alta pelos pacientes que não podem sair de casa e que a experiência está sendo positiva. “Positiva tanto para os pacientes, quanto por parte dos médicos, que podem tentar dar fluxo aos atendimentos mesmo neste momento.”

 

Prática exige atenção para a segurança de dados

A preocupação da plataforma Fácil Consulta com a segurança das informações dos médicos e pacientes é, também, a preocupação de grande parte das pessoas da área. Para Mérces, vazamento de informações sigilosas é o segundo maior risco da telemedicina. “Médicos e pacientes devem se atentar para que o uso da tecnologia seja feito de forma segura para garantir a privacidade e o sigilo das informações. O prontuário dos pacientes é uma informação absolutamente sigilosas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)”, defende a advogada.

A LGPD, Lei nº 13.709/18, que estava prevista para entrar em vigor em agosto de 2020, afetará a área da saúde. Os preceitos e normativas contidas na lei, referentes aos cuidados no tratamento dos dados pessoais, deverão ser observados na telemedicina.

Cândida Terra, advogada especializada na LGPD, explica que os dados dos pacientes somente poderão ser coletados, tratados e armazenados após autorização. “As plataformas de atendimento de telemedicina necessariamente terão que contemplar os meios de coleta da autorização, através de um formulário no qual o paciente firmará consentimento para que o médico ou profissional da saúde possa fazer uso das suas informações.”

Para Cândida, a LGPD apresenta certas lacunas normativas quanto a telemedicina. “Acredito que, apesar de haver diversas resoluções do CFM, um projeto de lei regulamentando a atividade e, em paralelo, a LGPD, ainda há um longo caminho para percorrer, na esfera jurídica, para que os dados dos pacientes estejam suficientemente protegidos”, argumenta.

“Os profissionais devem estar atentos ao tratamento dos dados e às imagens dos pacientes, que devem trafegar em seus sistemas após autorização do paciente, e em uma infraestrutura que assegure a integridade, a veracidade, a confidencialidade, a privacidade e o sigilo das informações”, aconselha Cândida.

 

Formas da Telemedicina

Teleorientação: médico e paciente;

Telemonitoramento: outro profissional da saúde e paciente, com orientação médica;

Teleinterconsulta: entre médicos.

 

Reportagem originalmente publicada por Yasmim Girardi, do Jornal do Comércio de Porto Alegre, em 28.04.2020.