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Infraestrutura. Expectativa do mercado é positiva para os próximos leilões do governo federal, mas especialistas alertam para incertezas em setores com marco regulatório desatualizado

03/10/2017 – 05h00

São Paulo – O mercado enxerga com otimismo as próximas concessões do governo federal, especialmente em infraestrutura. Porém, especialistas apontam que a consolidação dos marcos regulatórios específicos de cada setor é necessária para garantir perenidade e segurança jurídica às empresas.

De acordo com o sócio do Lima Feigelson Advogados, Bruno Feigelson, a falta de sedimentação de um marco regulatório ainda prejudica o sucesso das concessões em alguns setores. “Em ferrovias, por exemplo, a ideia era fortalecer a Valec, em um modelo no qual o governo compraria a capacidade ociosa das estradas de ferro como maneira de garantir a demanda para a concessionária”, lembra o advogado. “No entanto, o Tribunal de Contas da União entendeu que era necessário um novo marco regulatório para fazer isso. Como consequência, não vimos nem a regulamentação nova nem projetos de concessões de ferrovias”, diz.

Para Feigelson, a ideia de fazer a estrada de ferro para estimular a demanda por carga, gerando recursos durante a construção era boa, mas acabou esbarrando em problemas legais nunca solucionados, o que acabou prejudicando toda a economia. “Não faz sentido em um país de proporções continentais como o Brasil as rodovias transportarem 52% das cargas. E [o País] ainda não conseguiu atrair a iniciativa privada para a construção de malha ferroviária”, conta o advogado.

Em outros setores, contudo, especialistas enxergam avanços que possibilitaram o maior interesse de investidores nos ativos brasileiros. O sócio-fundador do Giamundo Neto Advogados, Giuseppe Giamundo Neto, exalta o sucesso das concessões dos aeroportos de Porto Alegre (RS), Salvador (BA), Florianópolis (SC) e Fortaleza (CE). “Especificamente para a última concessão, o governo tirou a participação obrigatória de quase 50% da Infraero [Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária] na operação. Além disso, houve a busca por operadores, não somente de realizadores de obra. Por isso foi possível o interesse de grandes concessionários internacionais”, avalia o especialista.

Bruno Feigelson comenta que as discussões para retirar definitivamente essa obrigação da Infraero de participar de todas as concessões dentro do marco regulatório da aviação mostram uma preocupação em reduzir a intervenção estatal nos projetos, trazendo mais liberdade para as empresas privadas.

Também estão previstas mudanças para outros setores como petróleo e mineração. Todas na esteira da alteração considerada positiva no marco regulatório dos portos em 2013. “As concessões que vêm dando certo são as de portos, desde a aprovação da Lei 12.815/2013. Nesse caso, a necessidade de estabilidade regulatória foi suprida”, comenta.

Na opinião de Giamundo Neto, as concessões passadas tiveram muitos erros, como a falta de qualidade nos estudos econômicos e operacionais relativos ao projeto, regras pouco claras sobre equilíbrio econômico-financeiro e garantias sem muita efetividade para os casos de descumprimento das regras por parte do poder público.

“Muitas vezes, as empresas estrangeiras veem que um projeto faz sentido, mas quando verificam todo esse arcabouço não se sentem à vontade para investir”, destaca o advogado.

Erros

Giamundo Neto explica que entre os problemas comuns das concessões passadas estão o descumprimento pelo governo da parte que lhe cabe nas contribuições pecuniárias das Parcerias Público Privadas (PPPs) e a não obtenção das licenças necessárias para a execução da concessão. “Se o governo não cumpre a sua parte em obter licenças ambientais e urbanísticas, isso prejudica muito o projeto. A própria desapropriação muitas vezes fica a cargo do setor público, o que afeta de maneira brusca a concessão em caso de demora”, acrescenta.

A alternativa para as empresas nesses casos de descumprimento é buscar um tribunal arbitral para a solução desse conflito, visto que a maior parte dos contratos de concessões prevê a solução arbitral, e não Judiciária, para eventuais litígios. “Isso é benéfico, porque a questão arbitral é solucionada em prazo mais curto. Demora, em média, dois anos. Não uma década, como na Justiça.”

Contudo, Giamundo Neto ressalta que há projetos tão mal estruturados que nem mesmo a arbitragem consegue solucionar os problemas. “O que não é direito disponível está fora da arbitragem. Então é necessário rescindir o contrato e fazer uma nova concessão.”

Cuidados

O sócio do Mattos Filho Advogados, Pablo Sorj, observa que as empresas precisam ler bem os editais das concessões, conduzindo estudos para saber se vale a pena entrar na licitação para um projeto. “Quando a empresa vai para leilão existe um risco de demanda. E só tem como se proteger quando o governo garante a demanda mínima”, explica ele.

Para quem deseja se tornar concessionário de algum serviço público, mas quer ficar longe do risco, Sorj recomenda que privilegie concessões de trechos menores e com garantia de demanda mínima. “Muitas das concessões devolvidas no passado eram de aeroportos maiores do que seria necessário em vista da demanda ou rodovias para as quais o tráfego não era tão grande quanto se previa.”

O sócio do Mattos Filho lembra ainda que muito dos problemas que ocorreram nas concessões passadas refletiam o cenário macroeconômico que não vai ser tão forte hoje em dia. “Nas rodovias, teve uma questão de impacto econômico muito relevante, com crescimento do custo de matéria-prima e com a recessão”, conclui.

Ricardo Bomfim