por Giuseppe Giamundo Neto e Christian Fernandes Rosa

O Direito da Infraestrutura, sempre é bom lembrar, congrega diversos ramos jurídicos voltados à estruturação e execução de projetos com relevante impacto no desenvolvimento nacional. Sob a área, estão setores como o de logística e transportes, telecomunicações e energia, saneamento básico e resíduos sólidos. A evolução dessas atividades, cuja organização é competência da União, dos estados ou dos municípios, é marcador relevante da maturidade institucional do País, pois além da evidente relevância social, demandam grandes investimentos, remunerados ao longo de décadas de exploração – e fundamentais ao desenvolvimento nacional.

Sob a perspectiva do aprimoramento do cenário institucional brasileiro, alguns eventos marcaram o setor de infraestrutura ao longo de 2020.

Em 2019, o modesto crescimento de 1,1% do PIB impunha a 2020 a necessidade de rever o quadro normativo de áreas ligadas à infraestrutura e, ainda, concretizar ações governamentais que pudessem viabilizar investimentos públicos e privados na estrutura de prestação desses serviços, mitigando os conhecidos gargalos ao crescimento e competitividade.

No campo das revisões normativas, contudo, algumas iniciativas de grande relevância pouco avançaram. Havia expectativa de que fosse enfim concluída a análise da Nova Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, em substituição à lei de 1993, parâmetro básico para todas as contratações realizadas pelo Poder Público. A norma regulamenta a contratação dos agentes privados interessados em realizar obras públicas, e tem aplicação àqueles que pretendem investir em infraestrutura ou explorar os serviços correlatos. O projeto da nova lei promove avanços no procedimento de seleção de propostas e moderniza o regime jurídico dos contratos. É algo a ser monitorado no próximo ano.

De outro lado, no curso de 2020, foi promulgada a lei do Novo Marco do Saneamento Básico. Trata-se de uma das maiores novidades neste setor desde que, em 2013, o Supremo Tribunal Federal foi levado a intervir nas controvérsias entre estados e municípios quanto a quem compete organizar ou delegar esses serviços à operação privada nas Regiões Metropolitanas. A lei aprovada estabeleceu novos ditames para a gestão associada destes serviços, quando prestados em um esforço conjunto entre diferentes entes políticos – vários municípios vizinhos, por exemplo. E deixou de condicionar as iniciativas de governadores e prefeitos à aprovação pelas respectivas casas legislativas, reduzindo o controle político, mas agregando celeridade aos projetos na área.

Além disso, o novo Marco do Saneamento atribuiu relevância focal à concessão como regime contratual aplicável ao desenvolvimento desses serviços por terceiros, notadamente pelos investidores privados. Consolidou assim um regime jurídico bastante conhecido pelos agentes de mercado e que vinha sendo timidamente empregado para viabilizar investimentos nos equipamentos de saneamento. A aposta é de que as novas regras acelerem os investimentos públicos (sob a associação de estado e municípios), bem como viabilizem o crescimento da participação privada no setor, ao elevar a escala dos projetos e diluir os riscos desses aportes financeiros, de grande vulto.

Para caracterizar a trajetória do setor de infraestrutura ao longo de 2020, é preciso também registrar as intercorrências no setor elétrico, em que circunstâncias ainda a apurar deixaram todo um Estado brasileiro sem acesso a um serviço público essencial, levando inclusive ao inusitado afastamento judicial da diretoria de uma agência reguladora federal. O apagão, que acometeu esse setor conhecido como um dos mais bem organizados, revela o quanto ainda se tem a avançar em termos de controle de riscos e incentivo de boas práticas por parte das prestadoras privadas de serviços públicos sobre infraestrutura.

E ainda houve a epidemia de Covid-19. Neste campo, o setor de transportes foi aquele que mais se expôs às consequências da crise sanitária instalada a partir de fevereiro. A demanda pelos serviços rodoviários e aeroportuários, em especial, foi impactada pela redução recomendada de deslocamentos, bem como pelas restrições impostas por outros países, estados e municípios.

Dados da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias registraram, de janeiro a outubro, uma queda de 14,9% no fluxo de veículos nas estradas sob gestão privada. Diante desse decréscimo, quase três vezes maior que a redução estimada para a economia brasileira (PIB) neste ano, as instituições responderam. A Advocacia-Geral da União reconheceu, em parecer jurídico próprio, que a epidemia é fato de desequilíbrio nos contratos de concessão, o que significa dizer que, em alguma medida, os investidores privados poderão pleitear a recomposição das perdas que comprovadamente tiveram em razão desse evento imprevisto. Isso mitiga a percepção de riscos e aumenta a atratividade de licitações futuras, como da Rodovia Presidente Dutra.

A expectativa é de um novo ano mais promissor. No setor aeroportuário, muito afetado pela epidemia, bons frutos são esperados para o ano de 2021. De um lado, o aumento da capacidade de operação deve ser perceptível à medida em que forem entregues as obras previstas nos contratos da 4ª e 5ª rodadas de concessões aeroportuárias, em instalações muito importantes como as de Salvador, Recife e Cuiabá. De outra parte, os estudos preparatórios para a 6ª rodada, que inclui a concessão de aeroportos como os de Goiânia e Curitiba, já foram ajustados à nova realidade da demanda e o processo de escolha dos parceiros privados deve ser lançado já nos primeiros meses de 2021.

Merece ainda destaque a expectativa quanto ao leilão de novas frequências de telefonia móvel. A seleção de propostas para a operação do 5G está prevista para o primeiro semestre de 2021 e vem sendo conduzida pela Agência Nacional de Telecomunicações. A Agência estará sob o foco das discussões ao longo do próximo ano, já que poderá ter sua competência ampliada para também regular os serviços postais, caso avance a iniciativa de desestatização dos Correios, conforme projeto recentemente apresentado ao Congresso Nacional.

Os percalços de 2020 exigiram um ajuste quanto às prioridades e potencial econômico de alguns projetos de infraestrutura, mas em nada alteraram a relevância de investimentos públicos e privados no setor, a serem viabilizados por arranjos normativos e práticas regulatórias consistentes. Em 2021, o setor de infraestrutura pode passar a liderar a retomada do crescimento econômico. É preciso se comprometer com a concretização desse potencial.

Artigo originalmente publicado no Estadão, na coluna de Fausto Macedo, em 10.12.2020.