por Christian Rosa e Joaquim Queiroz

No último ano, a indústria farmacêutica foi alçada à posição de protagonismo em razão dos esforços empreendidos para o desenvolvimento e fornecimento de vacinas, medicamentos e dispositivos médicos para o enfrentamento da atual pandemia. Contudo, considerando-se o volume financeiro transacionado nessas compras públicas, e a possibilidade de eventual envolvimento de agentes públicos em episódios de não conformidade, faz-se necessário avaliar se as estratégias de integridade adotadas pelas indústrias farmacêuticas têm sido eficazes para coibir essas situações.

É certo que companhias de envergaduras variadas têm envidado esforços contínuos para a instituição de programas de integridade robustos, sobretudo após o advento da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção). De fato, esse setor foi um dos primeiros a compreender que, para além de evitar a responsabilização por ilícitos nas mais diversas jurisdições em que atuam, a boa gestão de riscos de corrupção preserva a reputação e, assim, o valor da companhia.

É salutar a revisão de programas de integridade diante de um novo ambiente de negócios

Embora a Lei nº 12.846/2013 não tenha sido a primeira norma a regular a necessidade de adoção de práticas de compliance, foi a Lei Anticorrupção e seus decretos regulamentadores que definiram os requisitos para a estruturação de programas de integridade.

A evolução dos programas de integridade, contudo, deve ser também analisada sob o prisma da expansão das relações contratuais firmadas com o poder público. Com efeito, pela própria singularidade da atuação de algumas dessas empresas, focadas, por exemplo, no desenvolvimento de produtos biológicos, a fatia correspondente aos fornecimentos realizados à administração pública torna-se prevalente, quando não exclusiva. Grandes laboratórios, com portfólio diversificado de produtos e atuação centrada no mercado privado, também divisam oportunidades no mercado público.

Nesse cenário, a interação e as negociações mantidas com agentes públicos devem guardar especial atenção. Pela própria natureza dos agentes envolvidos, essas relações podem eventualmente embutir um risco maior de pressões de natureza política, as quais podem redundar na gestação de relações incestuosas em que o gestor público, hipoteticamente imbuído de intenções não republicanas, buscará seduzir o parceiro privado ao cometimento de práticas irregulares. Disso decorre a necessidade dessas empresas desenvolverem mecanismos com o intuito de torná-las imunes a tais investidas.

Nesse panorama, a reavaliação dos programas de integridade já instituídos adquire destaque. Efetivamente, a boa prática demanda a atualização periódica do mapeamento de riscos e adoção de respectivos controles sempre que o contexto externo da organização se altere significativamente. A conjuntura, que trouxe o protagonismo dessas contratações durante a crise sanitária e o relato de supostas práticas indevidas pelas instâncias do poder público relacionadas a essas negociações são elementos a exigir a revisão dos riscos dessas operações.

Muito embora já tenham consolidado em seus programas de integridade modelos sofisticados e bem delineados de gestão de riscos, a sua revisão periódica pode identificar blind spots e temas sensíveis nas contratações com o poder público que não seriam notados não fosse a reanálise implementada. O tema, de fato, demanda dos laboratórios um esforço concentrado – e bem documentado – no sentido de revisar seus programas de integridade e dar passos adicionais no sentido de tornar inequívoco o seu compromisso com a conformidade.

Nesse sentido, muitas empresas vêm buscando os benefícios inerentes à reestruturação de seus programas em consonância com a norma técnica internacional ISO 37001 – sistema de gestão antissuborno (SGAS), buscando a sua certificação independente.

Em linhas gerais, o redesenho de programas de compliance em consonância com a norma ISO 37001 permite, de saída, a formulação de um sistema de gestão antissuborno fundado em normas internacionais, fruto da experiência e ampla discussão entre especialistas de todo o mundo, o que lhe confere maior credibilidade – especialmente junto a organismos internacionais, financiadores e stakeholders. Essa característica é ainda mais significativa para empresas que fomentam a adoção de práticas mais contemporâneas como as da ESG (Environmental, Social, and Corporate Governance), eis que alinhada com estes propósitos de accountability e transparência nas atividades privadas.

Nesse tema, a certificação do programa de integridade como um sistema robusto reduz assimetrias de informação, traduzindo a boa governança em reputação e valor agregado aos acionistas e demais stakeholders. Ao cabo, seja qual for grau de maturidade de governança corporativa, a busca por implementar boas práticas internacionais, inclusive pelo cumprimento de requisito das normas técnicas associadas aos sistemas antissuborno, se coaduna com os critérios da Lei Anticorrupção e do Decreto n.º 8.420/2015, provendo segurança e sustentabilidade de suas operações em território brasileiro.

É salutar, portanto, a revisão de programas de integridade diante de um novo ambiente de negócios. Nesse esforço, para além de uma análise crítica dos riscos e controles adotados, é recomendável ir adiante, preparando a organização para a obtenção de certificações como a da ISO 37001, tendo em vista seu imenso potencial para gerar amplos benefícios ao setor farmacêutico, tanto econômicos, como de governança.

Artigo originalmente publicado na coluna Legislação & Tributos|SP, do jornal Valor Econômico, em 23.09.2021.