Em 22.03.2020, foi publicada a Medida Provisória (MP) n. 927/2020, que dispõe sobre medidas trabalhistas em tempo de calamidade pública, decorrência da pandemia provocada pelo coronavírus (Covid-19). Em 23.03.2020, foi publicada nova Medida Provisória (MP) n. 928/2020 que, dentre outros temas, revogou o artigo 18 da MP 927, que tratava sobre a suspensão do contrato de trabalho por acordo individual pelo prazo de até 4 meses, período no qual o trabalhador não receberia seu salário.

Todas as demais disposições da MP 927 mantiveram-se inalteradas. Assim, a análise geral sobre as medidas apresentadas pelo Governo para enfrentamento das restrições decorrentes do Estado de Calamidade Pública reconhecido no Decreto Legislativo n. 6/2020, sofre pequena revisão.

Mantem-se o reconhecimento, para fins trabalhistas, que a pandemia caracteriza a hipótese de força maior, a atrair a aplicação do artigo 501 e seguintes da CLT.

Os dispositivos previstos na MP se aplicam aos trabalhadores urbanos e rurais, trabalhadores temporários, empregados domésticos, além de conter disposições específicas relacionadas aos contratos de estágio e aprendizes.

A prevalência do que previsto na MP retroage em seus efeitos até 20.03.2020, data em que foi reconhecido o Estado de Calamidade Pública, e tem vigência mínima de 60 dias, prorrogáveis por mais 60, para ser convertida em Lei ordinária, e perderá seus efeitos quando encerrado o Estado de Calamidade Pública, ou sejam, em 31.12.2020, conforme definido no Decreto Legislativo n. 6/2020.

As medidas anunciadas pela a MP são as seguintes: (i) teletrabalho; (ii) férias individuais; (iii) férias coletivas; (iv) aproveitamento e antecipação dos feriados; (v) compensação das horas paradas; (vi) suspensão dos exames médicos periódicos e treinamentos; e (vii) suspensão do recolhimento do FGTS dos meses de março, abril e junho.

 

  1. DECLARAÇÃO GENÉRICA – ART. 2º

Apesar do art. 2º da MP prever que empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, não contém disposição objetiva alguma aplicável aos casos concretos, ainda que contenha disposição a resguardar os limites previstos na Constituição Federal.

Diante da indefinição objetiva contida no art. 2º da MP, especificamente quanto aos limites do que poderá dispor o empregado no referido acordo individual escrito, é certo que sua constitucionalidade e respectiva aplicação nos casos concretos é de todo incerta, sobretudo quando referido acordo individual admitiria a hipótese de preponderar inclusive sobre a Lei (“instrumentos legais”). É plenamente inexequível a opção estabelecida por referido artigo.

 

  1. TELETRABALHO – ARTS. 4º E 5º

A primeira medida viável trazida pela MP foi a possibilidade de alteração do regime presencial de trabalho para o teletrabalho ou home office – caracterizado pelo trabalho realizado de maneira preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com utilização de meios tecnológicos.

Nos termos da MP, a adoção da modalidade home office ficará a critério do empregador, e não dependerá da celebração de acordo coletivo ou mesmo de acordo individual, bastando expedir notificação escrita ou eletrônica ao empregado, estagiário ou aprendiz, com antecedência mínima de 48 horas.

Uma vez determinada a alteração do regime presencial para o home office, o empregador terá o prazo de 30 dias, para formalizar a alteração do regime de trabalho, por escrito com o empregado, estagiário ou aprendiz, oportunidade em que deverá, necessariamente, prever a responsabilidade pela aquisição, manutenção e fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do serviço à distância, o que envolve o reembolso de despesas arcadas pelo trabalhador com a alteração do regime de trabalho, e definição de valor indenizatório decorrente dos gastos com eletricidade e provedor de internet a serem restituídos mensalmente ao empregado.

Caso o trabalhador não possua os equipamentos e a infraestrutura necessária para o desempenho do trabalho de maneira remota, o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato (empréstimo) e pagar por serviços de infraestrutura (como, por exemplo, eletricidade e provedor de internet), valores que não caracterizarão verba de natureza salarial.

Na hipótese do empregador não conseguir fornecer o material necessário para o desempenho das atividades à distância, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador. Ou seja, na hipótese de alteração do regime de trabalho, a impossibilidade da prestação de serviços por indisponibilidade material, a remuneração ainda deverá ser paga ao empregado.

No período em que perdurar o trabalho em home office, não haverá obrigação do empregador em controlar a jornada de trabalho do empregado. O período em que o empregado permanecer logado ao sistema da empresa não será considerado como tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, salvo se houver previsão em acordo individual ou coletivo em contrário.

Diante do cenário atual, trata-se de alternativa emergencial para atender ao determinado pela Autoridade Sanitária Federal em relação à restrição de circulação dos trabalhadores, garantindo-se prestação de serviços pela empresa e manutenção dos empregos.

 

  • FÉRIAS INDIVIDUAIS – ART. 6º A 10

A principal alteração promovida pela MP em relação às férias diz respeito ao pré-aviso de 48 (quarenta e oito) horas para concessão das férias ao empregado. Adicionalmente, permite-se a antecipação das férias ao empregado que ainda não completou o período aquisitivo. A concessão das férias demanda que sejam respeitadas as seguintes medidas, priorizando-se os empregados que se encontrem no grupo de risco do coronavírus:

  1. Comunicação ao empregado, por meio escrito ou eletrônico, com antecedência de, no mínimo, 48 horas, com a indicação do período a ser gozado pelo empregado;
  2. Os períodos de fruição das férias não poderão ser inferiores a 5 dias corridos; e
  3. Poderão ser concedidas por deliberação do empregador, ainda que o empregado não tenha adquirido o direito às férias. Ou seja, empregados com menos de 01 ano de contrato e empregados que ainda não atingiram um novo período aquisitivo desde a fruição das últimas férias.

Quanto ao pagamento das férias, a MP também contém disposições que suspendem temporariamente alguns valores:

  1. O pagamento do terço constitucional, adicional ao valor das férias, poderá ocorrer até a data em que é devido o pagamento do décimo terceiro salário, ou seja, até 20 de dezembro de 2020;
  2. O requerimento de conversão de um terço das férias em abono pecuniário estará sujeito à concordância do empregador, aplicando-se o prazo acima; e
  3. O pagamento da remuneração das férias poderá ser efetuado após o início das férias, desde que efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias.

De outro lado, para os profissionais da área de saúde ou aqueles cuja função desempenhada constitui-se como essencial, o empregador poderá suspender a fruição de férias, e até mesmo suspender licenças não remuneradas, mediante comunicação formal da decisão ao trabalhador, por escrito ou por meio eletrônico, preferencialmente com antecedência de 48 horas.

As atividades essenciais estão previstas no Decreto n. 10.282/2020, que incluem serviços médicos e hospitalares, segurança pública e privada, transporte intermunicipal, interestadual e internacional de passageiros e o transporte de passageiros por táxi ou aplicativo, telecomunicações e internet, serviços bancários não presenciais e postais, imprensa, dentre outros listados no referido Decreto.

 

  1. FÉRIAS COLETIVAS – ARTS. 11 E 12

A critério do empregador poderão ser concedidas férias coletivas aos empregados, bastando a notificação do grupo de trabalhadores, via comunicado emitido com antecedência mínima de 48 horas.

A MP estabelece que não se aplicam o limite máximo de períodos anuais e o limite mínimo de dias corridos previstos na CLT, isto é, o gozo de férias coletivas em 2 períodos anuais, desde que nenhum deles seja inferior a 10 dias corridos e, também, dispensa expressamente a comunicação prévia ao Ministério da Economia e ao sindicato da categoria.

Contudo, a MP silenciou sobre a necessidade de afixação de aviso nos locais de trabalho prevista no § 3º do art. 139 da CLT, pelo que entendemos que referida determinação se encontra mantida.

 

  1. ANTECIPAÇÃO DE FERIADOS – ARTIGO 13

Enquanto durar o Estado de Calamidade Pública, o empregador poderá antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais (como, por exemplo, Tiradentes, Dia do Trabalhador, Dia da Pátria, Proclamação da República, aniversário municipal) e deverá notificar, por escrito ou por meio eletrônico, o conjunto de empregados envolvidos, com antecedência mínima de 48 horas, mediante indicação expressa dos feriados aproveitados.

O aproveitamento de feriados religiosos (como, por exemplo, feriado de Nossa Senhora Aparecida e Sexta-feira santa) dependerá de concordância do empregado, mediante manifestação em acordo individual escrito.

Diante da inexistência do limite de feriados que poderão ser antecipados, recomendamos que seja limitado ao número máximo de 07 feriados, os quais poderão ser trabalhados após o encerramento do Estado de Calamidade.

 

  1. INTERRUPÇÃO DA ATIVIDADE E HORAS PARADAS – ART. 15

Outra opção trazida pela MP para ser utilizada enquanto perdurar o Estado de Calamidade Pública é a compensação de jornada, por meio de banco de horas, através de acordo individual de trabalho.

Assim, na hipótese de ocorrer a interrupção das atividades, cada empregado poderá celebrar acordo individual de trabalho, oportunidade em que, no período de interrupção das atividades serão computadas as horas não trabalhadas em banco de horas positivo ao empregador, as quais poderão ser compensadas com o acréscimo de trabalho após o retorno das atividades, no prazo de até 18 meses, contado da data de encerramento do Estado de Calamidade Pública.

A compensação do banco de horas poderá ser feita mediante prorrogação da jornada em até 2 horas diárias, em jornada que que não poderá exceder dez horas diárias, pelo que se respeitará o limite de jornada previsto no art. 59 da CLT. O acréscimo das horas na jornada diária poderá ser determinado pelo empregador a qualquer tempo, desde que respeitado o limote de 18 meses após o encerramento da calamidade, independentemente de negociação coletiva.

 

  • SUSPENSÃO DOS EXAMES E TREINAMENTOS OBRIGATÓRIOS – ARTS. 15 A 17

A MP suspendeu a obrigatoriedade de realização dos exames médicos periódicos, sejam ocupacionais, clínicos ou complementares, que deverão ser realizados no prazo de 60 dias, contados a partir de 31.12.2020.

Quanto ao exame demissional, mantém-se obrigatório, exceto na hipótese do exame médico ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de 180 dias.

Suspendeu-se, igualmente, a obrigatoriedade da realização de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, exigidos pelas normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho, os quais poderão ser realizados na modalidade de ensino à distância, cabendo ao empregador a observância dos conteúdos práticos, de modo a garantir a execução das atividades em segurança, ou, se não ocorrerem os treinamentos na modalidade de ensino à distância, deverão ser realizados no prazo de 90 dias, contados a partir de 31.12.2020.

No tangente à CIPA (Comissão Internas de Prevenção de Acidentes), independentemente do prazo de funcionamento, a atual formação poderá ser mantida até o encerramento do Estado de Calamidade Pública. Os processos eleitorais em curso poderão ser suspensos.

 

  • SUSPENSÃO DO RECOLHIMENTO DO FGTS – ARTS. 19 A 25

A MP suspendeu a exigibilidade do recolhimento do FGTS referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente, a todos os empregadores, independentemente de comunicação prévia.

O recolhimento do FGTS deverá ser pago em 06 parcelas, a partir do recolhimento referente ao mês de julho de 2020, valor sobre o qual não incidirá atualização, multa e encargos previstos no art. 22 da Lei n. 8.036/1990. Ou seja, o pagamento dos valores referentes ao FGTS de março a maio poderá ser efetuado em 06 parcelas, recolhidas no período de julho até dezembro de 2020.

Caso o empregador faça a opção pelo parcelamento, (i) o pagamento deverá ser quitado em até 6 parcelas mensais, com vencimento no 7º dia de cada mês, a partir de julho de 2020; e (ii) deverá o empregador declarar-se devedor, junto ao Conselho Gestor do FGTS, até 20 de junho de 2020.

Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho, o valor devido deverá ser pago ao empregado no prazo de pagamento das verbas rescisórias.

Foram prorrogados por 90 dias prazos dos certificados de regularidade com o FGTP emitidos anteriormente à data de entrada em vigor da MP, com a observação de que os parcelamentos de débito do FGTS em curso que tenham parcelas a vencer nos meses de março, abril e maio não impedirão a emissão da referida certificado de regularidade.

Por fim, a MP suspendeu a contagem do prazo prescricional dos débitos relativos a contribuições do FGTS pelo prazo de 120 dias, contado de 20.03.2020.

 

  1. OUTRAS DISPOSIÇÕES EM MATÉRIA TRABALHISTA

Além das disposições vistas anteriormente, a Medida Provisória também prevê:

  1. Prorrogação da jornada de trabalho aos empregados em estabelecimentos de saúde, mediante acordo individual escrito, mesmo para as atividades insalubres e para a jornada de 12×36, e adoção de escala de horas suplementares entre a 13ª e a 24ª hora do intervalo interjornada, sem que haja penalidade administrativa, garantido o repouso semanal remunerado (DSR/RSR) ao empregado;
  2. Compensação de referidas horas, no prazo de 18 meses, contado a partir de 31.12.2020, por meio de banco de horas ou remuneradas como hora extra;
  3. Suspensão dos prazos processuais para apresentação de defesa e recurso no âmbito de processos administrativos originados a partir de autos de infração trabalhistas e notificações de débito de FGTS, por 180 dias, contados de 22.03.2020;
  4. Que os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal;
  5. Prorrogação, a critério do empregador, pelo prazo de 90 dias, após o termo final dos 180 dias contados a partir de 22.03.2020, dos acordos e convenções coletivas vencidos ou vincendos;
  6. A atuação orientadora dos Auditores Fiscais do Trabalho, exceto quanto (i) falta de registro de empregado, a partir de denúncias; (ii) situações de grave e iminente risco, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas à configuração da situação; (iii) ocorrência de acidente de trabalho fatal apurado por meio de procedimento fiscal de análise de acidente, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas às causas do acidente; e (iv) trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil;
  7. Inaplicabilidade do disposto na MP aos trabalhadores em regime de teletrabalho, quanto às regulamentações sobre trabalho em teleatendimento e telemarketing, dispostas na Seção II do Capítulo I do Título III da CLT;
  8. Convalidação das medidas adotadas pelos empregadores que não contrariem o disposto na MP, tomadas no período dos trinta dias anteriores à data de entrada em vigor da MP.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Além do previsto na MP 927/2020, há que se rememorar o disposto na Lei n. 13.979/2020, cujas medidas objetivam a proteção da coletividade em virtude do surto de coronavírus.

O parágrafo terceiro, do artigo 3º, da Lei n. 13.979/2020, dispõe que “Será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente das medidas previstas neste artigo”.

Isto é, será considerada a falta justificada ao trabalho das pessoas que estiverem submetidas a: (i) isolamento; (ii) quarentena; (iii) que forem submetidas de maneira compulsória a exames médicos, testes laboratoriais, coletas de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas ou tratamentos médicos específicos; e (iv) com restrição de circulação, decorrência do retorno de viagens internacionais.

A diferença prevista em Lei quanto à caracterização do isolamento e da quarentena, esclarece que o isolamento é destinado aos trabalhadores contaminados, com diagnóstico positivo, e a quarentena é destinada aos trabalhadores com suspeita de contaminação.

Por isso, em caso de suspeita, a pessoa deve ser encaminhada aos órgãos públicos competentes para realização de exames e, caso seja necessário o afastamento em período superior a 15 dias, deverá ser encaminhada ao INSS.

Porém, caso o empregado teste negativo para a contaminação pelo vírus e, caso a falta seja de apenas um ou alguns dias, ele deverá apresentar o correspondente atestado médico, como já é normalmente feito (art. 6º, parágrafo primeiro, “f”, da Lei n. 605/949), hipótese em que as faltas também serão justificadas e abonadas.

De todo modo, que não se olvide do dever da empresa em zelar pela saúde e segurança de seus empregados (art. 7º, XXII, da Constituição Federal e 157 da CLT), mas, também, que é necessária a tomada de medidas visando à manutenção da saúde econômica das empresa em conciliação à manutenção dos empregos.

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