Alteração da Lei de Improbidade que retirava a legitimidade ativa dos entes públicos é suspensa pelo Min. Alexandre de Moraes

Alteração da Lei de Improbidade que retirava a legitimidade ativa dos entes públicos é suspensa pelo Min. Alexandre de Moraes

A alteração da Lei de Improbidade retirava a legitimidade da propositura da ação dos entes públicos prejudicados e atribuía exclusividade ao Ministério Público

O Ministro Alexandre de Moraes, do STF, concedeu nesta quinta-feira (17/02) medida liminar, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7042, proposta pela Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (ANAPE), para suspender os efeitos de alguns dos dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), recentemente alterada pela Lei nº 14.230/2021.

A ANAPE pleiteia, na ADI, a declaração de inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 14.230/2021, que alterou o art. 17 da Lei de Improbidade Administrativa, ao prever que as ações somente poderão ser propostas pelo Ministério Público, retirando dos entes públicos a autoria da ação, bem como a possibilidade de se firmar acordos de não persecução cível, alegando que tal modificação legislativa implicou em disposições inconstitucionais.

A Associação também pede que seja declarada inconstitucional a disposição do art. 3º da Lei 14.230/21, que concede prazo de 01 (um) ano, a partir da data de publicação da lei, ao Ministério Público competente para manifestar interesse no prosseguimento das ações por improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda Pública, inclusive em grau de recurso.

Por último, a ANAPE pleiteia que o art. 17, §20 da Lei de Improbidade seja declarado inconstitucional, que determina que a “assessoria jurídica que emitiu parecer atestando a legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo administrador público ficará obrigada a defendê-lo judicialmente, caso este venha a responder ação por improbidade administrativa, até que a decisão transite em julgado”, na medida em que não caberia à lei federal dispor sobre competências de Procuradorias Estaduais e do Distrito Federal.

A ADI foi distribuída ao Ministro Alexandre de Moraes que, nesta quinta-feira, 17/02, deferiu parcialmente a medida liminar pleiteada pela ANAPE, determinando que (a) seja dada interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 17, caput, e seus parágrafos 6ª-A, 10-C e 4, para que seja declarada a existência de legitimidade ativa concorrente entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa; (b) suspender os efeitos do art. 17, §20 da Lei de Improbidade, que vincula a defesa judicial do ato administrativo àqueles agentes públicos que tenham emitido parecer atestando sua legalidade; e (c) suspender o art. 3º da Lei 14.230/21, que concedeu prazo de 01 (um) ano, a partir da data de publicação da lei, para que o Ministério Público competente manifeste interesse no prosseguimento das ações por improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda Pública, inclusive em grau de recurso.

A decisão proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes será submetida a referendo do Plenário do STF (ou seja, dependerá da maioria de votos), e caso seja mantida, atingirá todas as ações de improbidade que tenham, em sua discussão, relação com o objeto da ADI proposta pela ANAPE, especificamente quanto à legitimidade ativa dos entes públicos na propositura das ações de improbidade administrativa.

Repercussão Geral

No início de fevereiro deste ano, o Ministro Alexandre de Moraes suscitou o reconhecimento de repercussão geral de matéria constitucional envolvendo as alterações da Lei de Improbidade Administrativa quanto à (ir)retroatividade das disposições modificadas, especialmente quanto à necessidade de se caracterizar a figura do “dolo”, no ato administrativo, bem como da aplicação dos novos prazos de prescrição geral (08 anos) e intercorrente (04 anos).

A matéria é o Tema 1199 do STF, e aguarda manifestação de todos os demais ministros quanto ao reconhecimento de sua repercussão geral.

Para analistas, leilão conjunto é oportunidade no RJ

Licitação em bloco de Santos Dumont e Galeão em 2023 é viável e pode fortalecer Estado como “hub” nacional

A licitação conjunta dos aeroportos Santos Dumont e Galeão, no segundo semestre do ano que vem, é positiva não apenas para o Rio de Janeiro, mas para o sistema de aviação civil do país. E há tempo hábil para se desenhar uma modelagem que permita a licitação dos dois ativos em 2023.

Essa é a visão de especialistas consultados pelo Valor, segundo os quais é possível o leilão no ano que vem mesmo com uma possível mudança de governo. Segundo eles, a união dos dois aeroportos em um único bloco vai criar um sistema capaz de fortalecer a cidade como um “hub” de distribuição interna, sem que se corra o risco de aumento tarifário.

A decisão de licitar os dois aeroportos em um único bloco em 2023 foi anunciada pelo ministro Tarcísio Freitas após a concessionária RioGaleão, cujo controlador é a cingapuriana Changi, confirmar pedido de relicitação.

Para Delmo Pinho, ex-secretário de Transportes do Rio e representante da Fecomércio-RJ no grupo de trabalho que discutia com o governo federal a modelagem para a licitação do Santos Dumont, “é muito ruim para o país quando um grande operador internacional sai” de uma concessão.

Mas Pinho pondera que a saída da Changi criou um cenário mais favorável para o Rio voltar a ser “hub” relevante na aviação nacional. “O novo dono da concessão não vai dar tiro no pé e o resultado pode ser excelente para Rio e Brasil. Teremos concorrente de peso num mercado importantíssimo e trabalhando de forma cooperada”.

Para ele, é possível licitar os dois aeroportos conjuntamente no 2º semestre de 2023, mesmo considerando possível mudança de governo após as eleições. “Uma modelagem bem feita e de consenso não se muda. Temos esse ano para chegar a um consenso”, ressalta, lembrando que é preciso uma cláusula de barreira que impeça participação de concessionários de  ativos como Guarulhos, Viracopos e Brasília no leilão. “Temos que impor cláusulas de barreira para evitar monopólio privado.”

Eduardo Rebuzzi, representante da Associação Comercial do Rio no grupo de trabalho do Santos Dumont, nega que dois aeroportos geridos pelo mesmo concessionário signifique risco de monopólio. “Uma vez adquiridos pela mesma empresa, é óbvio que [concessionários] vão procurar criar equilíbrio entre os dois aeroportos”, diz.

Para o advogado Luiz Felipe Graziano, sócio do Giamundo Neto Advogados, a licitação em 2023 é “totalmente factível”, mesmo com a dependência de novas etapas, como audiências públicas e análise do Tribunal de Contas da União (TCU). “O combustível para viabilizar a licitação é a convergência de interesses”.

Graziano também lembra que a iniciativa de concessão de ativos aeroportuários começou a ser modelada e realizada ainda no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, passou por Michel Temer e continuou com Jair Bolsonaro. “Como isso atravessou três governos com perfis bem diferentes, é possível que sobreviva a uma alternância de poder.”

Maurício Menezes, sócio do escritório Moreira Menezes Martins, diz que unir os aeroportos “acaba sendo uma solução”, mas pondera que há a necessidade de um “amplíssimo” diálogo com a iniciativa privada. “É uma oportunidade para reflexão sobre a melhor forma [de fazer a modelagem] não apenas pela ótica do setor público, mas principalmente do privado.

Ele ressalta que não haverá competição “deletéria” entre os aeroportos, e acrescenta que há a vantagem da diluição de riscos, com dois ativos grandes no mesmo bloco. Menezes minimiza temores sobre encarecimento de tarifas pois, diz, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) tem poderes para evitar a escalada tarifária.

Em entrevista à “Veja” no fim de semana, o ministro disse que não é o Santos Dumont que rouba passageiros do Galeão, mas o Rio que perde visitantes. A declaração foi rebatida pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, no Twitter, para quem as declarações do ministro a respeito do Galeão “são sempre equivocadas, não condizentes com a verdade e pouco elegantes com o Rio”. Ele pediu para “parar de conversa fiada com o Rio”.

Matéria originalmente publicada em 13.02.2022, por Rafael Rosas, no Valor Econômico.

Concessões e PPPs avançam, mas mortalidade segue alta

No ano passado, 125 licitações foram canceladas, e outros 114 projetos foram suspensos ou adiados, aponta a Radar PPP

Os projetos de concessões e Parcerias Público Privadas (PPPs), cada vez mais difundidos no país, ainda enfrentam uma alta taxa de mortalidade. No ano passado, 125 licitações (já com edital lançado) foram canceladas, um aumento de 20% em relação ao ano anterior. Além delas, foram suspensas e adiadas outras 114 iniciativas no ano, segundo levantamento da consultoria Radar PPP.

A situação tem melhorado, diante do amadurecimento do modelo no país. Porém, os números ainda são considerados altos. A avaliação é que os governos ainda sofrem com a dificuldade de priorizar e elaborar bons editais, além do cenário econômico adverso, avaliam especialistas.

O total de cancelamentos em 2021 foi inflado por uma enxurrada de licitações de terminais rodoviários no Rio Grande do Sul. Os ativos foram ofertados isoladamente, e não em bloco – um modelo que se revelou fracassado. Se excluídos esses projetos, o número de projetos extintos no ano cai de 125 para 53, abaixo do registrado em 2020 e em 2019, quando 93 e 61 licitações foram canceladas, respectivamente.

Para Frederico Ribeiro, sócio da Radar PPP, há um avanço na estruturação dos editais. “Existe um amadurecimento do mercado, que tem conseguido assimilar melhores práticas. Hoje, há uma série de projetos de referência, isso ajuda a não errar”, afirma. Ainda assim, ele avalia que a taxa de mortalidade é elevada.

Na média mensal de 2021, para cada 4 licitações em curso, 1 era cancelada, suspensa ou adiada. Se excluídos os projetos de terminais no Rio Grande do Sul, a proporção cai para 1 projeto fracassado para cada 5 em curso.

A alta mortalidade de concessões não é novidade e sempre esteve muito associada a disputas judiciais e intervenções de órgãos de controle, como Ministério Público e tribunais de contas. No ano passado, porém, o principal motivo de fracasso foi a falta de interesse privado nos ativos, que levaram a licitações desertas.

O cenário de alta de juros tem prejudicado a atratividade de concessões, avalia Luis Eduardo Serra Netto, sócio do Duarte Garcia Advogados. “Muitos investidores estão migrando para a renda fixa, e o custo do financiamento está mais caro. Dá para ver esse impacto em todos os projetos. A atratividade dos leilões se torna mais difícil, e muitos acabam ficando na geladeira ou morrem.”

Para Sandro Cabral, professor de Estratégia e Gestão Pública do Insper, tanto o setor público quanto o privado aprenderam muito nos últimos anos e aprimoraram a estruturação de editais. Porém, ele avalia que a atual crise econômica e cenário de instabilidade derrubam o interesse de investidores. “É preciso um ambiente institucional que inspire confiança, isso precisa andar junto com o desenvolvimento de competências”, diz ele.

Além dos terminais rodoviários no Rio Grande de Sul, há outros exemplos de licitações desertas, que não receberam propostas. Um dos maiores casos é o leilão de do sistema de bilhetagem eletrônica no transporte público do Rio de Janeiro, que foi alvo de diversos questionamentos, conseguiu ir adiante, porém, terminou sem ofertas. Outro caso identificado pela Radar PPP foi a concessão do Mercado Público de Blumenau (SC), cujo leilão também não teve interessados.

Um dos principais problemas da mortalidade de concessões é o desperdício de esforços, públicos e privados, com um projeto que não vai para frente, apontam os analistas. Para Sandro Cabral, é importante que governos sejam mais seletivos em suas iniciativas.

Luiz Felipe Graziano, sócio do Giamundo Neto Advogados, avalia que o ideal é formar núcleos específicos, nos moldes do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), do governo federal – um formato que tem sido replicado em entes subnacionais e, segundo ele, dado resultados.

“Essa estrutura ajuda a dar continuidade ao portfólio mesmo com trocas de gestão e a filtrar quais projetos são os mais aderentes ao planejamento. O risco da mortalidade é movimentar toda uma máquina para iniciativas que depois se mostram pouco pertinentes. É importante otimizar recursos, definir critérios claros para selecionar os projetos.”

No âmbito municipal, a dificuldade técnica ainda é o grande entrave, avalia Ribeiro, da Radar PPP. “É quase um clichê, mas a capacitação do setor público continua um dos maiores gargalos. É preciso investir nisso. A gestão não necessariamente precisa elaborar o estudo, porque há ferramentas como o PMI [Procedimento de Manifestação de Interesse] para isso, mas é preciso desenvolver a capacidade para ao menos avaliar o projeto.”

Na visão de Rosane Menezes, sócia do Madrona Advogados, essa dificuldade melhorou muito nos últimos três anos, nos quais instituições públicas como Caixa e BNDES passaram a dar mais suporte à estruturação de projetos de municípios e Estados, o que se refletiu em uma melhor qualidade dos editais. “Outro gargalo é a questão das garantias dos projetos, o que também tem avançado. Tenho uma visão positiva e acredito que esse mercado deverá seguir avançando”, afirma ela.

Matéria originalmente publicada em 31.01.2022, por Taís Hirata, no Valor Econômico.

A arbitragem em 2021: ações anulatórias representam um enfraquecimento do sistema arbitral ou uma decorrência natural do instituto?

por Camillo Giamundo e Gabriela Soeltl

O ano de 2021 pode, certamente, ser considerado um ano desafiador para a arbitragem, enquanto meio alternativo à solução de conflitos. Pontualmente, nos deparávamos com notícias de anulação de sentenças arbitrais pelo Poder Judiciário, fato que, nos últimos anos, acendeu um sinal de alerta para uma possível crise do instituto.

A constatação de que a arbitragem passa por uma reanálise no sistema jurídico brasileiro, para alguns especialistas, foi confirmada em meados deste ano, quando a Arbipedia divulgou um relatório que apontou que 19% das sentenças arbitrais questionadas no Poder Judiciário foram anuladas. Pelo levantamento, também foi revelado um aumento no número de decisões em ações anulatórias na segunda instância nos últimos dois anos, ou seja, em 2019 e 2020, o número de acórdãos foi quase 90% superior à média dos três anos anteriores.

Logo quando divulgado, o estudo dividiu opiniões entre os profissionais da área, que se posicionaram em, ao menos, dois sentidos: (i) o percentual é inexpressivo, considerando, especialmente, que as ações anulatórias estão previstas na Lei Federal nº 9.307/1996, sendo, portanto, parte do sistema arbitral, o que não pode ser confundido como uma tentativa de enfraquecimento do instituto; e (ii) o percentual de 19% é inaceitável, pois, pela regra legal, as decisões arbitrais são imunes à revisão pelo Poder Judiciário.

Tendo uma perspectiva global, o levantamento não trouxe um detalhamento dos motivos pelos quais, por exemplo, o mérito da sentença arbitral é revisitado pelo Poder Judiciário ou quais foram as hipóteses de anulação mais acionadas pelos litigantes. Mesmo assim, embora previstas na Lei Federal nº 9.307/1996 e necessárias à legitimidade do sistema, o controle de validade da decisão arbitral deve ter o seu limite no rol do art. 32 do mesmo diploma, que estabelece as claras circunstâncias de nulidade da sentença arbitral.

O principal receio em relação às ações anulatórias previstas na Lei Federal nº 9.307/1996 é o uso indiscriminado de sua finalidade, com o intuito de utilizar o Poder Judiciário como instância recursal. Nessa hipótese, em que somente o inconformismo é o motor do interesse processual, não há como repensar o papel excepcional do Judiciário no próprio fortalecimento do instituto.

A opção legislativa é de que as sentenças arbitrais podem ser reverenciadas pelo Poder Judiciário, e cabendo a anulação, apenas nos limites estabelecidos pelo art. 32 e pelos princípios previstos no art. 21, §2º, da LARB. No último caso, impõe-se a necessária qualificação jurídica do princípio violado, impedindo que conceitos indeterminados/abstratos e tão fluídos no ordenamento jurídico consigam promover a anulação de uma sentença motivadamente proferida e, pior, substituir a soberania do tribunal arbitral para aplicar o direito no caso concreto.

Sob essa ótica, as ações anulatórias de sentenças arbitrais devem ser repensadas a partir da defesa do instituto não só pelos árbitros e pelas partes, mas, inclusive, pelo próprio Poder Judiciário, a quem cabe uma atuação pontual e dentro dos limites previstos pela lei, sob pena de contribuir com o sério descrédito da arbitragem, notadamente em relação à segurança jurídica do sistema arbitral, possível de ser avaliada por outros fundamentos.

Isso porque, a arbitragem é um sistema consolidado no mundo todo e representa um mecanismo eficiente de solução de conflitos. Quando o Judiciário não cumpre o seu papel e intervém no mérito de uma decisão sem qualquer indício de teratologia e desconformidade com a lei, contribui para o enfraquecimento do instituto, colocando em dúvida a sua validade jurídica, além da confiança no sistema arbitral brasileiro, com repercussões para além das partes litigantes.

Mais: abre-se brecha para que a controvérsia, até então resolvida pelo mecanismo eleito pelas partes, seja alimentada pela cultura do litígio. Aqui, também é preciso destacar o papel das partes, advogados, árbitros e juízes, em relação aos limites de uma ação anulatória de sentença arbitral. É preciso que exista o efetivo compromisso e ciência de que, escolhida a arbitragem, não cabe recurso ao Poder Judiciário, sendo a ação anulatória uma exceção que só será manejada nas específicas hipóteses previstas pelo legislador.

Nesse sentido, garantir que a ação anulatória seja tratada como exceção, também é uma forma de proteger a autonomia da vontade das partes ao decidirem que o litígio será submetido à arbitragem e não ao Judiciário. A intervenção deste Poder para além do previsto pela lei, tornando-se um verdadeiro reflexo de pretensões que queiram rediscutir decisões não favoráveis proferidas pelo tribunal arbitral, elimina essa autonomia, retirando o direito que determinada controvérsia seja resolvida pelo mecanismo mais conveniente.

A pesquisa realizada pela Arbipedia, divulgando que 19% das sentenças arbitrais questionadas no Judiciário Brasileiro foram efetivamente anuladas revela uma alta taxa de interferência no instituto da arbitragem.

Em um comparativo, a Justiça Inglesa divulgou, recentemente, relatório que revelou que nos anos de 2018 e 2019 foram julgados 73 processos questionando procedimentos arbitrais com base em alegações de ilegalidade ou irregularidade, sendo que em apenas três deles os pedidos foram considerados procedentes (4%).

Não se quer dizer que as ilegalidades eventualmente praticadas na arbitragem não possam ser revistas pelo Poder Judiciário. Muito pelo contrário, a ação anulatória é a via pensada justamente para esse fim e garantia. Contudo, certamente há uma parcela considerável, dentro desse alto percentual, de decisões anuladas e que se caracterizam como verdadeira revisão de mérito travestida de suposta ilegalidade ou inobservância aos princípios do instituto.

É justamente nesse ponto que se propõe a consciência e observância aos limites legalmente estipulados para o seu manejo, sob pena de gerar disfuncionalidades em seus objetivos. Trata-se de um compromisso que deve ser assegurado também pelo Poder Judiciário, garantindo que a autonomia das partes, a confiança no processo arbitral e a segurança jurídica de todo o sistema de arbitragem sejam reverenciadas por todos os atores envolvidos (partes, árbitros e juízes), visando o cumprimento das finalidades do processo arbitral, bem como o seu efetivo funcionamento como solução alternativa às demandas judiciais.

Espera-se que, nos próximos anos, a arbitragem se fortaleça e os percentuais de sentenças anuladas pelo Poder Judiciário sejam fiéis e restritos aos casos efetivamente maculados por ilegalidades.

A PEC nº 23/2021 e seus reflexos no pagamento de precatórios

por Philippe Ambrosio Castro e Silva

É sabido que o ordenamento jurídico contempla um mecanismo diferenciado para a execução e pagamento dos débitos da Fazenda Pública. Trata-se do chamado precatório, que, em linhas gerais, nada mais é do que uma ordem de pagamento oriunda do Judiciário aos órgãos ou entes públicos, e que deve guardar observância a princípios do direito financeiro, bem como da impessoalidade e da isonomia entre os credores.

As regras básicas se encontram previstas na Constituição e, ao longo do tempo, têm sido alteradas em razão da incapacidade do Poder Público de honrar com suas obrigações e débitos. A PEC nº 23/2021, também chamada popularmente de PEC dos Precatórios, vem a se somar a tal cenário.

Sua formulação contém clara motivação política, pois visa, a um só tempo, a conferir maior margem no orçamento público para novos investimentos e ampliação do pagamento de auxílios sociais, como também a descumprir a “regra de ouro” do chamado “teto de gastos”.

Em 09/11/2021 a Câmara dos Deputados aprovou o texto final da medida, que agora será examinada pelo Senado Federal.

A única “boa” solução adotada pela Câmara em relação ao projeto original encaminhado pelo Executivo consistiu na rejeição da regra que previa o parcelamento inconstitucional e forçado de precatórios. Em seu lugar, porém, estabeleceu-se uma limitação anual para pagamento de precatórios, mediante o “represamento” da expedição de novos precatórios. Enquanto estiver vigente o chamado “Teto de Gastos” (Novo Regime Fiscal), haverá também um teto para pagamento de precatórios equivalente ao valor despendido no exercício de 2016 por cada ente ou órgão devedor, corrigido em 7,2% entre 2016 e 2017 e pela variação anual do IPCA a partir de 2017. Caso atingido o teto, os demais precatórios só poderão ser expedidos no exercício subsequente.

Essa dinâmica viola de morte o Texto Constitucional, pois submete o Poder Judiciário e as decisões transitadas em julgado a uma espécie de fila de espera indefinida, configurando um flagrante desrespeito à separação dos Poderes da República, à coisa julgada e à segurança jurídica.

A partir desse intrincado e ainda obscuro mecanismo, o projeto cria a possibilidade de celebração de acordos com deságio de 40% para recebimento em parcela única e até o término do exercício seguinte, o que se aplicaria para precatórios ainda pendentes de expedição. Cuida-se de mais uma tentativa de impor dificuldades aos credores para extrair facilidades, isto é, a postergação do pagamento e a redução dos débitos judiciais do Poder Público.

A PEC nº 23/2021 ainda institui uma aparente compensação automática de débitos tributários do credor do precatório, a qual já restou instituída anteriormente e foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2015.

Trata-se de uma alteração que atenta contra os princípios da isonomia e da menor onerosidade nas execuções fiscais, pois permite que a Fazenda Pública deixe de utilizar dos meios executivos previstos em lei para satisfazer seus créditos e passe a se valer de uma via compulsória, claramente mais gravosa ao particular, gerando um enorme desequilíbrio de forças.

Outra importante modificação recai na previsão de se facultar ao credor, “conforme estabelecido em lei do ente federativo devedor, com autoaplicabilidade para a União, a oferta de créditos líquidos e certos reconhecidos pelo ente federativo ou por decisão judicial transitada em julgado.”

A PEC nº 23/2021 ainda altera a forma de atualização dos precatórios e de todos os débitos da Fazenda Pública. Deixa-se de utilizar o IPCA-E como índice de correção monetária com o acréscimo de juros moratórios para se aplicar unicamente o acumulado da variação da chamada taxa Selic.

Porém, é sabido que a Selic não necessariamente é capaz de refletir a desvalorização do capital provocada pela inflação nem muito menos e, a um só tempo, é capaz de compensar os efeitos da mora, como é da natureza dos juros.

Tanto é assim que o STF já declarou inconstitucional regra juridicamente similar, por meio da qual se definiu a Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária.

A se registrar que essa circunstância nefasta passaria a ser adotada em relação a todo e qualquer débito em discussão em face da Fazenda Pública, ou seja, mesmo muito antes da constituição do precatório, o débito passaria a ser “corrigido” pela variação da Selic.

Em resumo, muito embora esteja repleta de inconstitucionalidades — as quais já foram em parte reconhecidas pelo STF ao examinar outras emendas sobre precatórios —, são grandes as chances de sua aprovação pelo Senado, o que resultará em mais um enorme número de questionamentos no Judiciário, tendo o condão de politizar os pronunciamentos judiciais e de macular ainda mais a já combalida e quase inexistente segurança jurídica que haveria de ser observada, sobretudo, nas relações com a Administração Pública.

Artigo originalmente publicado no Estadão, em 12.11.2021.